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ESTRUTURA DA VEGETAÇÃO E CONDIÇÕES EDÁFICAS NUMA CLAREIRA DE MATA DE RESTINGA NA RESERVA BIOLOGICA ESTADUAL DA PRAIA DO SUL (RJ)

 

 Dorothy Sue Dunn de Araujo1, Rogério Ribeiro de Oliveira1, Eduardo Lima2, Alexandre Ravelli Neto2

 

1Serviço de Ecologia Aplicada, Divisão de Estudos Ambientais, Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), Estr. Vista Chinesa, 741, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20531-410.

2Instituto de Agronomia, Departamento de Solos, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Estr. Velha Rio-São Paulo, Km 47, Seropédica, RJ. CEP 23851-970.

 


RESUMO

 

Na planície arenosa da Praia do Sul (Ilha Grande - RJ), várias estradas foram abertas em 1980, e posteriormente abandonadas. Oito anos depois da derrubada da mata foram amostrados os indivíduos com DAP ³ 2,5cm e altura ³ 2m num total de 30 parcelas (5 x 5m) localizadas ao longo da estrada principal. Na área em regeneração, das 18 espécies ocorrentes a mais importante foi Byrsonima sericea DC. seguido por Cecropia lyratiloba Miq. e C. glazioui Snethl. A serapilheira acumulada no solo da área em regeneração foi de 509 ± 238g.m-2 versus 920 ± 170g.m-2 na mata original. À exceção do elemento fósforo, todos os nutrientes do solo apresentaram valores mais elevados na mata. As variações de temperatura do solo nos dois ambientes foram muito mais acentuadas na área em regeneração. A capacidade de retenção de cátions do solo sob mata foi 2 vezes superior quando comparado ao solo da área em regeneração. Uma possível explicação para o menor desenvolvimento da vegetação é o baixo teor de matéria orgânica (1,15%) verificada nesta área. Passados 8 anos da abertura da estrada, com as ações de distúrbio coibidas, e ainda, com a grande probabilidade de disseminação de propágulos da mata, foi demonstrado que as restingas constituem ecossistemas de regeneração muito lenta.

 

Palavras-chave: mata de restinga, distúrbio, fatores edáficos, reserva biológica.


  

 

INTRODUÇÃO

 

Uma parte significativa das árvores de matas tropicais úmidas requer a existência de uma abertura no dossel para que elas possam se regenerar (11, 15). Estas aberturas modificam as características do meio, propiciando um aumento dos níveis de luminosidade, temperatura do ar e do solo, entrada de chuva e disponibilidade de nutrientes e, ao mesmo tempo, uma diminuição na umidade relativa do ar (4), que, por sua vez, estimulam as taxas de substituição natural dos indivíduos (8).

A influência de clareiras na dinâmica de florestas tropicais é reconhecida pelo menos desde o estudo pioneiro de Richards (22). Nos últimos 20 anos, um número crescente de estudos tem sido desenvolvido sobre o assunto no Neotrópico, especialmente na América Central. Uma extensa revisão do assunto é apresentada (11).

Em contraponto ao processo natural de formação de clareiras, geralmente causado por queda de árvores inteiras ou galhos de árvores, existem as aberturas não naturais, causadas por desmatamentos, incêndios e/ou trabalhos de terraplanagem, que apresentam uma magnitude de impacto mais intensa que aqueles de causas naturais. Este tipo de distúrbio geralmente acarreta a destruição de todos os indivíduos, bem como do banco de sementes do solo, além da exposição do solo (no caso de terraplanagem). Os estudos sobre este tipo de distúrbio têm sido menos freqüentes, provavelmente devido às dificuldades de manter o controle destas áreas, uma vez que seu destino é geralmente a utilização pelo homem.

No entanto, o estudo de distúrbios antrópicos em formações tropicais é de grande importância para obtenção de conhecimentos sobre a dinâmica de regeneração. Estes conhecimentos podem ser aplicados no manejo de áreas a serem recuperadas e, também, no planejamento do uso sustentado da floresta tropical. A aplicação das teorias sobre clareiras ao manejo de florestas tropicais por meio do conhecimento dos processos de regeneração em áreas devastadas artificialmente foi feita na Amazônia Peruana (15, 16), em áreas de floresta sobre solos arenosos e pobres em nutrientes.

As florestas que ocupam as planícies arenosas da costa brasileira (matas de restinga) também são consideradas florestas tropicais úmidas (23). Entretanto, apresentam um conjunto de processos abióticos bastante distinto das demais formações de mata tropical úmida (13, 17).

Com relação a distúrbios em restingas, autores (3) estudaram a regeneração de uma comunidade baixo-arbustiva na restinga de Jacarepaguá após incêndio e Sá (24) descreveu a vegetação seis anos após sua derrubada por trator em arruamentos feitos na mata de restinga da Reserva Ecológica Estadual de Jacarepiá, Saquarema (RJ).

Os objetivos deste trabalho são a descrição da vegetação e alguns aspectos ecológicos e edáficos ocorridos no leito de uma estrada aberta na restinga da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul oito anos após o distúrbio, comparando-os com a mata intacta contígua.

 

 

 

MATERIAIS E MÉTODOS

 

A área de estudo está localizada na Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul (RBEPS), situada na vertente meridional da Ilha Grande, município de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro (23o 10'S; 44o 17'W) (Figura 1). A estação meteorológica mais próxima encontra-se no continente, na cidade de Angra dos Reis, a 20km em linha reta do local de estudo. A temperatura média anual desta é 22,6oC e a precipitação média anual é de 2.314mm (2). Nos meses de junho, julho e agosto ocorre uma redução da pluviosidade, não se verificando no entanto situações de déficit hídrico. Na área da Reserva, a média de altura pluviométrica entre os anos de 1993 e 1995 foi de 1.515mm (19). Os ventos são predominantemente dos quadrantes leste e sul.

A RBEPS ocupa uma área de 3.600ha, sendo que cerca de 800ha constituem uma planície com formação atribuída ao Pleistoceno Superior e Holoceno, a partir de mudanças paleoambientais, principalmente climáticas e de variação do nível do mar (1). Pode-se identificar quatro comunidades vegetais nesta planície: psamófila reptante de anteduna, mata de cordão arenoso, mata alagadiça de planície e manguezal (2).

A mata de cordão arenoso é uma floresta de aproximadamente 10m de altura. As copas das árvores são contíguas na sua maioria, permitindo porém a passagem de luz suficiente para o estabelecimento de um estrato inferior constituído por gravatás e samambaias. As árvores mais comumente encontradas são Rheedia brasiliensis (Mart.) Planch. & Triana, Tapirira guianensis Aubl., Ilex integerrima (Vell.) Reissek e Melanopsidium nigrum Cels. No extrato arbustivo encontram-se Psychotria carthaginensis Jacq., P. barbiflora DC., Coccoloba confusa How., Psidium cattleyanum Sabine e Gomidesia fenzliana Berg, entre outras (2).

   

Figura 1. Mapa de localização da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, com indicação da área de estudo.

Em 1980, a planície da Reserva foi palco de tentativa de um projeto imobiliário que pretendia lotear toda a área da Baixada da Praia do Sul. Foram abertas, por meio de uma máquina de terraplanagem, cerca de 6km de estradas com largura de 5-7m, nas quais foram removidas a cobertura vegetal e as camadas superiores do solo. No cordão externo de restinga, foi aberta uma estrada posicionada paralelamente à linha da praia, a cerca de 100m desta. Com a criação, em 1981, da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, as ações de desmatamento foram imediatamente sustadas e a área mantida sob estrito controle. Desde então, as comunidades vegetais sobre o leito das estradas vêm sofrendo um processo de regeneração natural, cuja estrutura e condições edáficas são objetos da presente contribuição.

A amostragem da vegetação foi realizada em 30 parcelas, medindo 5x5m (totalizando 750m2) distribuídas aleatoriamente no leito da estrada abandonada no cordão externo de restinga. Nestas parcelas foram amostrados todos os indivíduos com DAP ³ 2,5cm e altura ³ 2m. Para os indivíduos com mais de um tronco, foi calculado um único diâmetro baseado nas áreas basais dos vários troncos. Dentro de cada parcela, foram delimitadas aleatoriamente duas subparcelas de 1x1m onde foram estimadas visualmente a cobertura percentual de vegetação herbácea, projeção vertical da copa (5) e as percentagens do substrato coberto por serapilheira e de areia exposta.

Na mata de restinga intacta, em faixa paralela à estrada, foi mensurado o perímetro de todos os indivíduos com DAP ³ 2,5cm e altura ³ 2m em um transect de 187,5 x 4m (750m2). Nesta amostragem

 

foram identificados apenas os indivíduos de Byrsonimia sericea DC. A estimativa do número total de espécies que ocorre nesta mata foi baseada no material botânico identificado a nível de espécie, que vem sendo coletado na área desde 1983. No sentido de aproximar as metodologias empregadas, foram considerados apenas os grupos e formas vegetais amostradas no levantamento da vegetação da área em regeneração. Os parâmetros fitossociológicos foram calculados segundo Brower & Zar (5).

Para se medir as temperaturas do solo nas áreas de distúrbio (leito da estrada abandonada) e de mata intacta nas profundidades de 5 e 10 cm, foi utilizado termômetro digital marca Aucon. Foram feitas duas seqüências de medições: uma diariamente, em um período de 12 dias (de 7 a 18 de agosto de 1989) no horário das 14 horas, e uma segunda, destinada ao acompanhamento da marcha diária da temperatura, feita de hora em hora no dia 8 de janeiro de 1991.

Para determinação da massa de serapilheira acumulada, foram estabelecidos aleatoriamente 2 quadrados (30x30cm) em cada uma das 30 parcelas do leito da estrada abandonada. Para a mata intacta, em função de maior homogeneidade do manto de serapilheira, foram feitas 25 amostragens com as mesmas dimensões. Em cada quadrado, a serapilheira (horizonte 0o) foi removida com auxílio de faca e recolhida em sacos plásticos etiquetados. Em laboratório, o material foi colocado em estufa a 80oC até atingir peso constante. Após pesagem, os resultados foram transformados para gramas de peso seco de serapilheira por metro quadrado (gps.m-2).

Foram tomadas amostras compostas de solo nos dois locais de estudo, segundo a metodologia de Chapman & Pratt (7) até a profundidade de 20cm. Os elementos analisados foram: pH, Ca++, Mg++, Al+++, H+, P, K+, Na+ e C org (12). A partir dos valores obtidos, foi calculado o valor S (soma das bases) e o valor T (capacidade de troca de cátions). As análises foram realizadas no Departamento de Solos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

A vegetação da área em regeneração é de baixa estatura (altura média = 4,3m) e apresenta uma densidade total de 1.400 indivíduos vivos por hectare e uma área basal total de 3,51m2.ha-1 (Tabela 1). De um modo geral, é distribuída de maneira descontínua, com 57% das parcelas apresentando no máximo dois indivíduos e o restante tendo uma média de 6,7 indivíduos e englobando 75% da área basal total. O estrato herbáceo é esparso (cobertura média = 21,2%), porém 75,3% do substrato é coberto por serapilheira. A presença da mata intacta beirando os dois lados da área amostrada certamente contribui de maneira significativa para o acúmulo de detritos no chão. A mata intacta apresenta uma densidade total de 2.560 indivíduos vivos por hectare, com uma área basal total de 25,9m2.ha-1 (Tabela 1). É constituída de troncos mais grossos (Figura 2) e mais altos (Figura 3) que a vegetação da área em regeneração.

 

 

TABELA 1: Comparação entre parámetros da mata intacta e da área em regeneração na planície arenosa da RBEPS, Ilha Grande, RJ.

 

Área em regeneração

Mata intacta

Indivíduos vivos

 

 

Densidade (ind./ha)

1400

2560

Dominância (m2/ha)

3.51

25.9

No. Indivíduos c/ troncos multiplos (%)

25.7

29.7

Altura média (m)

4.3

5.2

 

 

 

Indivíduos mortos

 

 

Densidade (ind./ha)

26.7

200

Dominância (m2/ha)

0.04

0.87

 

 

 

Byrsonima sericea

 

 

Densidade (ind/ha)

680

67

Dominância (m2/ha)

2.1

2.23

No. Indivíduos c/ troncos multiplos (%)

45

40

No. espécies

18

64*

* Estimativa do no. total de espécies lenhosas encontrado na mata baseada em coletas aleatórias realizadas durante um período de 10 anos

 

A espécie dominante na área em regeneração é Byrsonima sericea DC., com 45% do VI total (Tabela 2). Parece tratar-se de uma espécie importante no processo regenerativo em áreas de restinga, pois também foi apontada por (3) como uma das espécies dominantes 30 meses após uma queimada, numa área que sofria periodicamente a ação do fogo. Entretanto, em outra área de restinga em regeneração no Município de Saquarema, esta espécie desempenhou um papel muito menos significativo, com baixa densidade (85ind/ha) e dominância (1,2m2/ha), 6 anos após o distúrbio (24).

 

Figura 2. Histograma dos diâmetros (DAP ³ 2,5cm) dos indivíduos arbóreos na mata e na área em regeneração na planície arenosa da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, Ilha Grande, RJ.

 

Figura 3. Histograma das alturas dos indivíduos arbóreos na mata e na área em regeneração na planície arenosa da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, Ilha Grande, RJ.

Neste estudo, Trema micrantha (L.) Blume e Aegiphila sellowiana Cham., que possuem baixa tolerância à sombra (6) englobaram 22,7% do VI total. O sucesso destas espécies na regeneração da mata de restinga em Saquarema pode ser atribuído à maior largura (20m) e orientação dos arruamentos feitos por trator. Enquanto na RBEPS a estrada está orientada na direção E-W, que recebe menos luminosidade (21), a maior parte dos arruamentos amostrados (62,5%) no estudo referido (24) estão orientados na direção N-S.

 

TABELA 2: Parâmetros fitossociológicos da área em regeneração na planície arenosa da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul,RJ. Ni = no. indivíduos; Pi = no. de parcelas com espécie i; FAi = freqüência absoluta; FRi = freqüência relativa; DAi = densidade absoluta; DRi = densidade relativa; DoAi = dominância absoluta; DoRi = dominância relativa; VI = valor de importância.

Espécie

Ni

Pi

FAi

FRi

DAi

DRi

DoAi

DoRi

VI

Byrsonima sericea DC.

51

16

0,53

29,09

680,00

48,57

2,08

59,39

137,05

Cecropia lyratiloba Miq.

14

9

0,30

16,36

186,67

13,33

0,55

15,73

45,43

Cecropia glazioui Snethl.

5

4

0,13

7,27

66,67

4,76

0,32

9,19

21,19

Amaioua intermedia Mart. ex R. & S.

8

2

0,07

3,64

106,67

7,62

0,11

3,04

14,29

Ilex integerrima (Vell.)Reissek

4

4

0,13

7,27

53,33

3,81

0,04

1,18

12,26

Ficus sp.

4

3

0,10

5,45

53,33

3,81

0,03

0,95

10,21

Solanum caavurana Vell.

3

3

0,10

5,45

40,00

2,86

0,04

1,06

9,38

Solanum swartzianum R. & S.

2

2

0,07

3,64

26,67

1,90

0,08

2,28

7,82

Annona cf. acutiflora Mart.

2

2

0,07

3,64

26,67

1,90

0,06

1,60

7,14

Tabebuia sp.

3

1

0,03

1,82

40,00

2,86

0,08

2,28

6,95

Tapirira guianensis Aubl.

2

2

0,07

3,64

26,67

1,90

0,03

0,72

6,26

Indeterminada

1

1

0,03

1,82

13,33

0,95

0,03

0,76

3,53

Aureliana cf. fasciculata (Vell.)Sendtn.

1

1

0,03

1,82

13,33

0,95

0,02

0,46

3,23

Guapira opposita (Vell.) Reitz

1

1

0,03

1,82

13,33

0,95

0,02

0,46

3,23

Andira fraxinifolia Benth.

1

1

0,03

1,82

13,33

0,95

0,01

0,30

3,07

Rapanea umbellata (Mart.)Mez

1

1

0,03

1,82

13,33

0,95

0,01

0,27

3,04

Schinus terebinthifolius Raddi

1

1

0,03

1,82

13,33

0,95

0,01

0,19

2,96

Ouratea cuspidata (St.-Hil.) Engl.

1

1

0,03

1,82

13,33

0,95

0,01

0,19

2,96

105

1400

3,51

300

 

Na RBEPS, Byrsonima sericea DC. apresenta uma densidade de apenas 67ind.ha-1 na mata intacta e com área basal um pouco acima daquela na área em regeneração (Tabela 1). A baixa densidade desta espécie associada a diâmetros grossos e à falta de indivíduos jovens em matas de restinga já foi observada na Reserva Ecológica de Jacarepiá, Município de Saquarema (Sá & Araujo, dados não publicados), indicando ser uma espécie que não se reproduz dentro da mata fechada. Ou seja, é uma espécie pioneira de vida longa no sentido de Whitmore (26), que atinge o dossel.

É comum em áreas de restinga em regeneração a ocorrência de indivíduos com vários troncos rebrotando ao nível do solo ou um pouco acima (24). Na RBEPS, 25,7% de todos os indivíduos na área em regeneração apresentaram troncos múltiplos; na mata contígua esta porcentagem é semelhante (29,9%). Da espécie dominante, B. sericea DC., 45% dos troncos eram múltiplos.

Das 17 espécies (excluindo a indeterminada) encontradas no leito da estrada, apenas 6 (35%) são encontradas exclusivamente em ambientes secundários iniciais na RBEPS (Aureliana cf. fasciculata (Vell.) Sendtn., Cecropia lyratiloba Miq., C. glazioui Snethl., Schinus terebinthifolius Raddi, Solanum caavurana Vell., S. swartzianum Roem. & Schult.); as outras ocorrem também na mata intacta. É surpreendente esta baixa diversidade de espécies quando comparada com outras áreas de mata de restinga em regeneração, como em Saquarema (24), onde foram encontradas em torno de 50 espécies em área amostral equivalente. Espécies pioneiras ou de ambientes abertos de restingas constituíram 58% do total amostrado neste estudo. Esta relativa pobreza em termos de espécies pioneiras disponíveis na RBEPS pode estar relacionada ao pequeno tamanho da clareira (estrada) que representa uma porcentagem mínima em relação à área da floresta circunvizinha, enquanto Sá (24) estima que 39% da mata foi perturbada e esta mata também encontra-se isolada no meio de uma região altamente degradada, com presença de grande número de espécies pioneiras.

Deve-se levar em consideração também que o cordão externo da RBEPS tem a sua idade avaliada em 3.000 anos A.P. (1), enquanto o cordão interno, onde está localizada a mata de Saquarema, tem sua idade atribuída ao final do Pleistoceno, ou seja, mais de 10.000 A.P. (18). A maior riqueza florística desta mata (114 espécies arbóreas - Sá & Araujo, dados não publicados) pode estar relacionada a este fato, além do menor grau de perturbação histórica quando comparada com as matas da RBEPS, que foram bastante modificadas pelos ciclos agro-econômicos que passaram pela Ilha (2; 19).

Os resultados das análises de solo tanto da área em regeneração quanto da mata fechada encontram-se na Tabela 3. O valor de pH mais baixo encontrado na mata pode ser explicado pela presença de 4,3 vezes mais matéria orgânica no solo, o que pode provocar um aumento de acidez. Uma densidade mais alta de raízes na mata também pode contribuir para acidificação do solo por

 

meio da respiração e ainda pela extrusão de prótons. Por outro lado, o poder tampão dos solos varia diretamente com sua capacidade de trocar cátions. Solos mais ricos em matéria orgânica são mais resistentes à mudança de pH (14). Assim sendo, estes solos teriam uma menor tendência à neutralização do que os da estrada com relação à deposição de aerossóis marinhos.

 

TABELA 3: Valores de fertilidade de solo (média de 6 repetições) até 20cm de profundidade na área em regeneração e na mata de restinga na Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul. Valor S = somatório das bases trocáveis (Ca, Mg, K e Na). Valor T = capacidade de retenção de cátions pelo solo. T.F.S.A. = Terra fina seca ao ar.

 

Área em regeneração

Mata intacta

Coef. Var. (%)

pH em água

4,90 *

4,6 *

-

Ca++ a

0,47 *

1,00 *

55,0

Mg++ a

0,38 *

0.83 *

45,4

Al +++ a

0,00 *

0,05 *

154,9

H+ + Al +++ a

2,80 *

6,37 *

46,2

P b

4,70

3,20

34,4

K+ b

18,2 *

34,0 *

26,4

Na + b

12,0 *

34,0 *

46,6

C. org. c

0,67 *

2,89 *

52,8

Mat. Org. c

1,15 *

4,98 *

52,8

Valor S a

0,87 *

2,15 *

31,1

Valor T a

3,36 *

8,52 *

36,0

 

* amostras estatisticamente diferentes a nível de 1% pelo teste "t" de Student.

a meq/100 g T.F.S.A.

b ppm

c %

 

Os teores de Ca++, Mg++ e K+ apresentaram diferenças estatisticamente significativas pelo teste "t" de Student (a = 0,01), ocorrendo, em todos os casos, teores mais elevados na mata de restinga. Apesar da mata conter um teor de 0,05 meq de Al+++/100g de T.F.S.A., este é considerado baixo demais para ocasionar distúrbios fisiológicos nas plantas (14). A diferença de P no solo não foi estatisticamente significativa nos dois locais, mas deve ser destacado que grande parte do P do sistema encontra-se estocado na vegetação de mata, cuja biomassa é notavelmente mais alta. Quanto ao Na, o teor de 2,8 vezes maior na mata pode ser atribuído à interceptação da salsugem pelas folhas da vegetação da mata, que é muito mais densa do que a da estrada. Clayton (9) afirma que os dosséis florestais constituem-se em eficientes coletores de aerossóis, o que contribui para aumentar o teor de Na no solo pela posterior deposição de folhas e galhos. O teor de matéria orgânica é 4,3 vezes maior na mata de restinga do que no solo da área em regeneração. O valor baixo (1,15%) do solo desta pode ser creditado à baixa produção de serapilheira pela biomassa colonizadora do leito da estrada e as diferentes taxas de decomposição. A serapilheira acumulada na área em regeneração foi de 509±238g.m-2 e 920±170g.m-2 (peso seco) na mata. Deve-se no entanto considerar que parte significativa da serapilheira depositada no leito da estrada é proveniente da mata contígua, cuja altura média (5,2m) e projeção de suas copas sobre a estrada permite uma considerável taxa de deposição de serapilheira alóctone sobre a mesma.

 

 

A Figura 4 apresenta dados de temperatura do solo a 5 e 10cm de profundidade na mata e na clareira, no período de 7 a 18 de agosto de 1989 às 14:00h. Deve-se destacar que o mês de agosto se caracteriza por temperaturas mais baixas e portanto as diferenças são menos significativas. A 10cm de profundidade, a variação entre as temperaturas do solo da mata e da clareira são menos intensas do que a 5cm. No entanto, é pouco representativa a diferença da temperatura do solo da mata entre 5 e 10cm. Isto pode ser atribuído ao papel do dossel da mata conservada que reduz as variações diuturnas sobre a superfície do solo.

A Figura 5 mostra os valores de temperatura do solo a 5cm tomados de hora em hora no dia 8/01/91. Enquanto que a temperatura na mata de restinga manteve-se em uma faixa de variação de 4,2oC, a da clareira atingiu uma variação de 24oC. O pico de temperatura alcançado no dia 8 de janeiro (48oC) deve ser ultrapassado em fevereiro, em que a temperatura do ar atinge os valores mais altos do ano. Esta variação de temperatura da clareira representa um fator de inibição de numerosos processos biológicos (27).

Figura 4. Temperatura do solo a 5 e 10cm de profundidade na mata e na área em regeneração entre 7 e 18 de agosto de 1989, ás 14h, na Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, Ilha Grande, RJ.

 

Figura 5. Marcha da temperatura do solo a 5cm no dia 8 de janeiro de 191 na mata de restinga e na área em regeneração, na Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, Ilha Grande, RJ

 

Muito possivelmente estes fatores, em conjunto com a temperatura do solo constituem os principais determinantes da composição florística e estrutura da vegetação da área em regeneração. As condições abióticas ditadas pela natureza do distúrbio podem estar contribuindo não só para a baixa biomassa de indivíduos colonizadores do leito da estrada, como também para a baixa diversidade florística, visto que apenas duas espécies (Byrsonima sericea DC. e Cecropia lyratiloba Miq.) representam 60% do VI. Ainda a respeito da baixa diversidade florística, é de se considerar que os fatores abióticos (principalmente temperatura e disponibilidade de água) podem estar representando um impedimento à germinação de sementes que chegam ao leito da estrada por dispersão, seja esta por qualquer forma que ocorra (anemocoria ou zoocoria) ou ainda, por queda direta dos frutos da mata sobre a estrada. É de se esperar que o número de propágulos que a atinge seja elevado. Por outro lado, a vegetação da estrada encontra-se numa dinâmica sucessional caracterizada por uma baixa mortalidade de indivíduos (27 indivíduos mortos/ha). A mata contígua apresenta uma média de 213 indivíduos mortos/ha, o que sugere que esteja em um estágio sucessional mais climáxico (Tabela 1).

Os resultados encontrados mostram que as restingas constituem um ecossistema de regeneração muito lenta se comparado à mata de encosta (10) levando-se em consideração o número de espécies surgidas, seu arranjo espacial e, ainda, o intervalo de tempo (8 anos). Intervenções antrópicas neste ecossistema acarretam, portanto, distúrbios não superáveis a médio prazo.

 

AGRADECIMENTOS

 

 

Agradecemos a Miriam Cristina Alvarez-Pereira e Cyl Farney Catarino de Sá pela ajuda indispensável nos trabalhos de campo.

 

ABSTRACT

 

Vegetation structure and edaphic factors in a disturbed area of coastal plain forest in the Praia do Sul Biological Reserve, Rio de Janeiro, Brazil. A stretch of sandy coastal plain forest in Rio de Janeiro State (Praia do Sul Biological Reserve) was disturbed in 1980 when several roads were opened up and then abandoned. Vegetation structure was analyzed 8 years after the disturbance. All trees and shrubs (dbh ³ 2.5cm; height ³ 2m) were sampled in 30 quadrats (5 x 5m) randomly located along the road that runs parallel to the beach. Accumulated litter, soil fertility and soil temperature were analyzed in the disturbed area and in the adjacent forest. Only 18 species were found in the disturbed area, the most important being Byrsonima sericea DC. followed by Cecropia lyratiloba Miq. and C. glazioui Snethl. Accumulated litter in the disturbed area was 509 ± 238g.m-2 versus 920 ± 170g.m-2 in the forest. Organic matter and soil nutrient levels (excluding phosphorous) were greater in the forest. Soil temperature fluctuations were greater in the disturbed area. Forest soils retained twice the amount of cations as disturbed-area soils. Low organic matter content (1.15%) in the soils of this area is a possible inhibiting factor of vegetation growth. Although no further disturbance took place during this 8-year period and the adjacent forest consitutes a rich source of propagules, it appears that regeneration of sandy coastal plain forest is a very slow process.

 

Key words: coastal forest, disturbance, edaphic factors, biological reserve, Brazil.

 

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