Voltar Considerações teórico-metodológicas acerca do potencial heurístico no uso de Sistema de Informação Geográfico integrado a Banco de Dados Relacional em diagnósticos de risco à saúde populacional devido a poluição industrial *

 

Carlos Hiroo Saito 1

 

1 Departamento de Ecologia - Universidade de Brasília, Brasília/DF - Brasil

 


RESUMO

Pensando na problemática da poluição ambiental e seu impacto sobre a população humana, procura-se delinear as bases para uma metodologia de pesquisa visando identificar a espacialidade e os efeitos sinérgicos entre poluentes, causativos de doenças coletivas, utilizando Sistema de Informação Geográfico integrado a Banco de Dados Relacional.

Palavras-chave: Sistema de Informação Geográfico; poluição; saúde populacional


 

INTRODUÇÃO

 

Uma área de interesse crescente em questões ambientais refere-se aos danos à saúde humana provocados pelos resíduos industriais de modo geral, quer sejam emissões aéreas ou descargas em rios (7, 10, 11, 17). Tal problemática aumenta de importância para nós, nesta fase de globalização do capital, uma vez que a reorganização das estratégias produtivas tem levado a uma transferência de parte das instalações industriais para os países do Terceiro Mundo, na busca de mão-de-obra farta, de baixo-custo e com um sindicalismo frágil, disponibilidade de matéria-prima e energia, e inexistência de restrições formais contra a poluição e a degradação da qualidade de vida (2, 3, 4, 13). Concorrem para este cenário os interesses de governos locais na atração destas indústrias, oferecendo vantagens fiscais e de infra-estrutura que caracterizam um verdadeiro "canibalismo" entre os Estados ou entre os Municípios.

 

 

Poucas vozes neste processo são capazes de serem ouvidas no sentido de ponderar a corrida "desenvolvimentista" contra as consequências sobre a qualidade de vida da população, em especial sobre a sua saúde do ponto de vista médico. Diversos estudos identificam uma relação de causalidade entre doenças populacionais e atividades industriais particulares, ou seja, componentes químicos específicos presentes nas emissões. Naoum (12) cita o aumento da concentração no sangue de metahemoglobinas, sulfohemoglobinas e corpos de Heinz devido à poluição por óxidos de nitrogêncio e de enxofre. Kucinski (9) menciona a ocorrência de lesões graves de pele entre trabalhadores de uma fábrica de pentacloreto de fenol, suspeitas de anemia aplástica e incidência de má-formação congênita em Cubatão. A contaminação pelo mercúrio, que provoca lesões no sistema nervoso do homem, tendo se notabilizado pela tragédia da baía de Minamata, no Japão. Atualmente fala-se na tendência à leucopenia em áreas sob a influência de emissão de benzeno.

Estes estudos, porém, em geral são fragmentados, não sendo suficientes para avaliar a conjugação de poluentes de diferentes naturezas em regiões industriais, concorrendo para multiplicar e potencializar (efeito sinergético) os danos à saúde da população circunvizinha. Fellenberg (7), mesmo citando um exemplo de sinergismo ocorrido em Londres no ano de 1952, quando elevada concentração de poeira no ar propiciou uma ação catastrófica dos SO2 sobre a saúde populacional ainda que em baixa concentração no ar, admite o grande desconhecimento da ciência sobre a ocorrência e os mecanismos causativos do sinergismo entre poluentes. Não apenas isto, mas principalmente, tais estudos não tem sido capazes de expressar a espacialidade destes impactos.

A metodologia apresentada a seguir visa a permitir a construção de uma imagem integrada desta complexidade, assinalando a territorialidade dos diferentes graus de conjugação de poluentes e, por conseguinte, das doenças a que potencialmente essa população se encontra diferenciadamente expostas. Atentar para esta problemática se reveste de maior importância nos tempos atuais, não só pelo aumento da quantidade de indústrias mas pela sua natural concentração em zonas preferenciais de maior infra-estrutura, quando não se delibera pela criação de distritos industriais.

 

A METODOLOGIA

 

Basicamente, os dados ambientais podem ser representados através de duas formas distintas, por georreferenciamento direto (cartogramas) e indireto (tabelas de dados) (15, 16, 26). A primeira forma de representação permite expressar a territorialidade dos fenômenos e inferir relações topológicas entre os objetos. Já a segunda forma permite conjugar diferentes informações alfanuméricas que subsidiam pesquisas seletivas e a formação de perfis.

Estas formas de representação dos dados estruturam-se, respectivamente, em Bancos de Dados Geográficos - BDG (característicos de Sistema de Informações Geográficas- SGIs) e Bancos de Dados Alfanuméricos - BDA (característicos de Sistemas Gerenciadores de Bancos de Dados - SGBDs). Os Sistemas de Informações Geográficas propriamente ditos - SIGs - podem ser definidos como sistemas baseados na tecnologia computacional que permitem armazenar, recuperar e

 

transformar dados georreferenciados (1, 15, 18, 19, 21, 26) e podem, de acordo com seu projeto de implementação, conter em seu interior ambos os Bancos de Dados, apenas o BDG ou ainda, possuir apenas o BDG mas possibilitar a integração com um BDA externo. Ressalta-se que a capacidade dos SIGs de integrar BDG e BDA potencializa o caráter de apoio à decisão destes sistemas (15, 16, 26).

Apesar de estar utilizando Sistema de Informação Geográfica, há uma concordância aqui com outros autores (14) quanto à denominação de Sistemas Geográficos de Informação - SGI e não Sistemas de Informações Geográficas - SIG para estes sistemas, pois "trata-se, na verdade, de um sistema que permite associar informações diversas a referências geográficas, ou seja, a geografia é usada como base, não é um fim." (p.51, nota de rodapé). Em outras palavras, a informação não é "geográfica", mas sim "oceanográfica", "agrícola", "socio-econômica", "ecológica", "florística" ou "epidemiológica"; o que é geográfico é o tratamento, a abordagem. O real, multifacetado e polissêmico, fragmentado pela ciência em diferentes campos ou especializações não pode, no processo de busca da unidade, ser reduzido à geografia - seria muita presunção. Reforça ainda as argumentações trazidas anteriormente as citações de outros autores (21), que consistentemente têm defendido esta denominação de SGI (20, 22, 25) e ainda em texto recente afirma serem estes sistemas denominados como "sistemas geográficos de informação, não por serem privilégio da geografia, mas sim, por permitirem a consideração da dimensão espacial, dos dados armazenados." (23, p.361).

Para melhor se compreender os aspectos desta integração de base de dados distintas em sua forma de georreferenciamento, e seu potencial heurístico na pesquisa sobre impactos da poluição na saúde populacional apresentar-se-á neste trabalho um exemplo hipotético de estudo sobre poluição ambiental.

O ponto de partida é a definição da melhor forma de representação da área de influência dos poluentes industriais. Esta, pode-se afirmar, é mais adequadamente representada por meio de cartogramas (Figura 1); do contrário, seria necessário artifícios serem criados para estabelecer uma referência geográfica nas tabelas de informação, utilizando categorias de discretização do território (Figura 2) como por exemplo ruas, bairros, setores censitários, etc. Estas categorias apresentam o inconveniente de exigir um ajuste que força a representação da ocorrência do fenômeno ambiental aos limites das unidades utilizadas, introduzindo um erro grosseiro no modelo do ambiente.

 

Figura 1. Representação da área real de dispersão de poluentes

Figura 2. Representação da área de dispersão de poluentes baseada em unidades de discretização do território (no caso, bairro)

 

Para maior esclarecimento , inicia-se a discussão a seguir, pela consideração de peculiaridades do BD Alfanumérico, adicionando-se depois o problema da territorialidade.

No caso de relacionarem-se diferentes doenças aos poluentes industriais, a forma de tabelas de informação se apresenta mais adequada para uma pesquisa inicial, pois a relação entre as duas entidades conceituais, poluente e doença, é característicamente múltipla, ou seja, de m para n (Figura 3). Um determinado poluente pode provocar mais de uma doença e uma certa doença pode ser provocada por diversos poluentes (Tabela 1).

 

Figura 3. Diagrama de Entidades e Relacionamento para poluentes e doenças.

 

 

Tabela 1. Exemplificação da relação n x m entre tipo de poluente e tipo de doença.

poluente

Doença

Poluente 1

Poluente 1

Poluente 1

Poluente 2

Poluente 2

Poluente 2

Poluente 2

Poluente 3

Poluente 3

Poluente 3

:

:

Doença 1

Doença 2

Doença 3

Doença 1

Doença 4

Doença 5

Doença 6

Doença 2

Doença 3

Doença 6

:

:

Pode-se agregar a esta tabela outros campos (colunas) de dados, tais como sintomas, expectativa de vida, sequelas, e mesmo aqueles referentes à indústria poluidora. Certamente, está-se apresentando aqui uma visão simplificada de uma estrutura de banco de dados, pois na verdade

 

faz-se necessário um refinamento do modelo através de técnicas de normalização que visam a diminuir a redundância de dados. Estes refinamentos sucessivos conduzirão a uma estrutura de múltiplas tabelas interrelacionadas, que são representadas através de Diagramas de Entidades - Relacionamentos (5, 6) e suas variações. Desta forma, é possível obter-se a lista de doenças às quais uma população sob influência de determinado poluente está exposta.

Porém, a visão apresentada até aqui dá conta de fragmentos da realidade, podendo os dois sistemas isoladamente apresentar diretamente a territorialidade dos poluentes ou então as doenças associadas a um ou mais poluentes, neste caso com a expressão territorial indireta feita através da distribuição espacial dos poluentes. O salto qualitativo no poder diagnóstico desta situação pode se dar através da integração dos dois sistemas, em três passos básicos apresentados a seguir:

 

1) Primeiramente, através do SIG, pode-se lançar sobre um mesmo mapa básico de um município a área de influência (dispersão) dos poluentes, isoladamente. Obter-se-á, em consequência, tantos mapas temáticos de poluentes quantos poluentes conseguirmos levantar (Figura 4).

Área de dispersão do poluente 1 Área de dispersão do poluente 2

Área de dispersão do poluente 3

Área de dispersão do poluente 4

Figura 4. Diferentes mapas temáticos representando cada um a dispersão hipotética de um tipo de poluente

 

 

A confecção destes mapas é de responsabilidade do especialista em poluição, ou da conjugação de esforços deste com meteorologistas e/ou geomorfólogos, podendo a descarga ser atmosférica e/ou fluvial. É o conhecimento da natureza do poluente e suas formas de dispersão que permitem a delimitação das áreas sob sua influência, seja em círculos excêntricos de determinado raio ou em geometrias irregulares, cabendo ao sistema apenas a sua incorporação para fins de armazenamento e processamento junto com outras informações disponíveis. Na ilustração acima, as formas representadas hipoteticamente correspondem mais aos poluentes atmosféricos - sem considerar, neste caso, a ação dos ventos que deslocam o poluente em determinadas direções e sentido, e as resistências oferecidas pela topografia - ; caso fossem descargas líquidas, normalmente seguiriam o curso do rio a partir do ponto de lançamento, requerendo, como subsídio, o conhecimento da bacia hidrográfica. Portanto, as manchas (feições) de ocorrência do poluente serão diferenciadas de mapa para mapa, em função das características do poluente e da fonte de emissão (configuração da indústria e sua localização espacial).

A existência de diferentes mapas temáticos é importante pois preserva a informação original para cada poluente, permitindo tratá-la isolada ou conjuntamente, de acordo com os objetivos da investigação proposta. Caso, desde o início, tenha-se confeccionado um mapa integrado de poluentes, a agregação fará perder informação, pois todo o dado inicialmente agregado não permite uma posterior desagregação, já o contrário é possível, sendo este um postulado clássico de todo esforço taxonômico .

 

  1. O passo seguinte, portanto, é realizar uma sobreposição destes mapas, de modo a produzir um novo mapa que reflita a ação conjunta de todos os poluentes elencados sobre o espaço em estudo (Figura 5). O mosaico surgido apresentará um maior número de feições, cada qual representando um tipo de sobreposição espacialmente possível, identificado por uma legenda: poluente 2 apenas, poluente 1 + poluente 2, poluente 1 + poluente 2 + poluente 3, poluente 1 + poluente 2 + poluente 3 + poluente 4, poluente 2 + poluente 3 + poluente 4, apenas poluente 3, apenas poluente 4 (Figura 6).

    Figura 5. Sobreposição de mapas de poluentes.

    Figura 6. Mapa síntese de dispersão do conjunto de poluentes.

     

    Com este nível de informação (informação secundária, obtida da análise de informações originais) pode-se realizar o processo de integração do BDG com o BDA, que representa, de fato, a integração do SIG com o SGBD, embora a integração de informação setorializada também possa ser efetuada, se julgado necessário.

     

    3) Para se efetuar esta integração BDG-BDA, cada feição no mapa deve ser identificada inequivocamente e reconhecida pelo SGBD pela inclusão deste identificador num campo da tabela de poluentes em uso (Figura 7).

    Desta forma, ao selecionar-se uma localização no mapa, o SIG indicará a feição em que se insere - sua tipologia - e, migrando para o Banco de Dados Alfanumérico, apresentar os poluentes ali presentes, suas características, doenças causadoras e outras informações lá contidas; ou então, os poluentes associados àquela legenda, suas características, e as indústrias emissoras naquele local. Pode-se percorrer o caminho inverso, selecionando-se no SGBD uma determinada doença (ou conjunto de doenças), ou um deteminado poluente (ou conjunto de poluentes) e obtendo-se os identificadores de todas as legendas associadas a estes valores para o atributo objeto de seleção. Após isto, pode-se migrar para o SIG e fazê-lo apresentar visualmente a ocorrência espacial desta(s) doença(s) ou deste(s) poluente(s) (Figura 8).

    Figura 7. Processo de identificação da ocorrência de tipos de poluente e sobreposições, quando houver.

    Figura 8. Identificação da área de dispersão dos poluentes associados a uma doença selecionada através de pesquisa no Banco de Dados Alfanumérico.

     

    Como se pode observar, a obtenção destas imagens da realidade permitem tomar decisões administrativas com maior segurança, visando à melhoria da qualidade de vida da população local, tais como:

     

    a) identificando as áreas mais críticas em termos de poluição, e as indústrias responsáveis (a partir do conhecimento dos processos de poluição ambiental), definir uma ação direcionada para minimizar o problema;

    b) conhecendo-se as áreas de sobreposição de poluentes que possam, porventura, apresentar efeitos potencializadores quanto aos danos à saúde, definir ações prioritárias em termos de programas de controle de poluição industrial. Este ítem merece destaque pois aponta para o enorme potencial de aprendizagem do cientista/pesquisador e o avanço do conhecimento científico na área de poluição industrial e saúde populacional.

     

    É justo ressaltar que, neste modelo, os efeitos potencializadores da ação conjunta de poluentes numa determinada localidade não podem ser identificados uma vez que a busca no Banco de Dados Alfanumérico expressará tão somente a justaposição de informações específicas para cada poluente, a menos que estes efeitos já sejam previamente conhecidos e lançados na Base de Dados. No entanto, nunca é demais lembrar que as análises feitas através de SIG, com metodologia cuidadosa, permitem também um contínuo aprimoramento científico, através do cotejo do modelo com a realidade e rápida remodelagem (22, 24). Tal seria o caso de se encontrarem, em pesquisa junto à população, doenças inesperadas ou com grau de agravamento surpreendente em áreas de sobreposição de poluentes, indicando uma provável interação entre os poluentes ainda não conhecida.

    Normalmente, e é o que se procurou mostrar até aqui, a relação de causalidade entre poluente e doença populacional é estabelecida par-a-par, ou seja, cada poluente é estudado isoladamente, cada doença é analisada isoladamente, de modo a criar um conhecimento sob a forma "dado um poluente temos uma doença ou um conjunto de doenças intimamente associadas". Tal conhecimento está baseado na ocorrência de emissão de apenas um tipo de poluente na região; quando há uma ocorrência de múltiplos poluentes, conclui-se, muitas vezes, e talvez erroneamente, que estes agem independentemente, submetendo a população local, simplesmente, ao somatório das doenças causadas pelos poluentes individuais. Cabe, evidentemente, um questionamento se de fato é isto que ocorre, ou se não haverá interação entre poluentes, potencializando os efeitos maléficos de um deles, agravamento a manifestação de uma determinada doença ou ainda, podendo provocar a ocorrência de uma doença ainda não correlacionada com nenhum dos poluentes individuais.

    A sobreposição dos mapas de poluentes através do SIG pode ser o começo para um aprendizado empírico. A feição territorial obtida por esta sobreposição permite delimitar uma área concreta a ser investigada no campo, pesquisando junto à população a incidência de doenças coletivas. A comparação dos dados obtidos com o conhecimento já existente (que fornece um elenco de doenças resultante do somatório de doenças associadas aos poluentes individuais) permite, caso surja(m) doença(s) inesperada(s), presumir que sejam decorrentes da interação entre os poluentes. O mesmo pode se dizer caso se encontre as mesmas doenças, porém com formas de manifestação diferentes da esperada, em especial, agravadas.

     

    c) identificando, pelas áreas de influência de poluentes, a territorialidade das doenças a que potencialmente a população se encontra exposta, pode-se definir uma política de visita domiciliar nas áreas de maior gravidade pelos profissionais de saúde, com vistas a alcançar a população que não procura as unidades do serviço de saúde (conhecida por demanda passiva aos serviços de sáude, em oposição à demanda ativa - aqueles que efetivamente procuram as unidades de atendimento e pressionam pela sua manutenção estrutural e qualitativa). Estas visitas podem ter um caráter preventivo, educativo e mesmo terapêutico.

    d) em estreita dependência com o exposto imediatamente acima, é possível avaliar a adequação da distribuição espacial das unidades que compõem o serviço de atendimento primário à saúde da população.

     

    e) torna-se possível a investigação de interferência de fatores sócio-econômicos na manifestação e sequelas das doenças provocadas pela ação dos poluentes industriais, pelo cruzamento da informação espacializada das ocorrências de doenças, de poluentes e características socio-econômicas. É interessante deter-se também sobre este ítem, em virtude do seu potencial em termos de desdobramentos investigatórios.

    Os dados de natureza socio-econômica mais disponíveis atualmente no Brasil são aqueles originados do censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. É sabido que estes dados foram coletados e agrupados para fins estatísticos com base nos setores censitários - unidades de discretização do território que representam uma demarcação arbitrária do órgão recenseador, tendo como critério a capacidade de visitação aos domicílios por parte do funcionário destacado/contratado para esta tarefa. Portanto, o setor censitário é a menor unidade de agregação informacional e, no seu interior, está arbitrada uma homogeneidade situacional. Embora podendo conter grande variância interna, ainda assim serve como uma primeira aproximação da realidade, principalmente quando conjugada com dados físicos conforme demonstrado por Saito (16).

    Através do SIG pode-se realizar uma sobreposição do(s) mapa(s) de poluentes ou doenças com o mapa de nível de renda ou densidade populacional de crianças para dimensionar melhor os riscos de saúde a que a população está submetida. Uma população de baixa renda pode ter menores condições de enfrentar a(s) doença(s) decorrente(s), bem como estar mais propensa ao seu desenvolvimento, pela sua possível baixa resistência imunológica, fruto das condições objetivas de sobrevivência - má-alimentação, "stress" e desgaste físico decorrente da jornada, tipo de trabalho e modo de locomoção (8) - constituindo muito mais uma população-de-risco e, portanto, merecedora de uma atenção redobrada em termos de políticas de saúde pública.

     

    f) uma vez que a população de risco não se restringe apenas à população residente na área de influência dos poluentes mas incorpora o contingente de pessoas que transitam por estes locais, pode-se criar rotas de circulação de veículos (transporte de massa, principalmente) que minimizem o contato com os poluentes, neste caso aéreos.

     

    g) finalmente, um diagnóstico desta natureza permite tomar medidas de prevenção e controle da saúde dos trabalhadores empregados nestas indústrias, possivelmente os mais afetados pelos poluentes. O acompanhamento da saúde destas pessoas servirá, também, como fonte de pesquisa sobre as possíveis interações entre poluentes, à semelhança ods procedimentos investigatórios junto à população residente circunvizinha às indústrias e/ou na área de influência dos produtos das mesmas.

     

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

     

    Esta metodologia, proposta em parte a partir das pesquisas já desenvolvidas pelo Laboratório de Geoprocessamento do Departamento de Geografia da UFRJ (24, 26), é um esforço no sentido de instrumentalizar melhor as ações investigatórias no campo da saúde populacional em áreas de atividades industriais, visando à proposição de medidas de ação concreta para a melhoria da qualidade de vida, tanto por parte do Poder Público como por parte da sociedade civil organizada - associação de bairros e sindicatos, por exemplo.

    Gostaríamos também de alertar os leitores para o potencial interdisciplinar desta metodologia, capaz de acomodar as contribuições isoladas dos especialistas e a análise integrada do problema ambiental, fazendo convergir preocupações de ordem econômica, ecológica, médica e social.

    Finalmente, lembramos que o caráter teórico da discussão e os exemplos abstratos tem por objetivo tão somente abrir o debate em torno da problemática ambiental de modo amplo, enfatizando o caráter interdisciplinar e de apoio à decisão. Subjacente a esta discussão, procuramos reforçar a idéia de que, embora o SIG se constitua num poderoso instrumento de análise e suporte à decisão, é somente através de seu uso consciente, subordinado à metodologia de investigação definida pelo cientista/pesquisador, que a tecnologia serve à produção de um saber e um fazer comprometido com as aspirações de um mundo socialmente justo e, porque não, igualitário (15, 16).

     

    ABSTRACT

     

    Teoric methodologic considerations of neuristic potencial in use of integrate geographic information system about database of relational dates in diagnostics of risco populational health due industrial pollution. Considering the occurence of environmental pollution and its impact over human population, there is an attempt to outline the bases for a research methodology aiming to identify the spaciality and the sinergic effects among pollutants, responsible for collective illness, using Geographic Information System integrated to Relational Database.

    Key-words: Geographic Information System; pollution; populational health

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

     

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* Parte da Tese de Doutorado.

1 Em trabalho anterior(26), foi utilizado o termo "banco de dados Convencional" que não parece atualmente o mais adequado, tendo-se optado no presente pelo emprego do termo "banco de dados alfanumérico". Pode-se também, de modo geral, referir-se a eles como "Banco de Dados Relacional", devido a sua hegemonia enquanto concepção e base de disseminação.