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ASSOCIAÇÃO SIMBIÓTICA DE Metania spinata (PORIFERA, METANIIDAE) COM UMA CHLOROPHYCEAE

 

Maria da Graça G. Melão1* , Odete Rocha2

 

1 Departamento de Hidrobiologia - Universidade Federal de São Carlos - São Carlos - SP - Brasil.

2Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva - Universidade Federal de São Carlos - São Carlos - SP - Brasil

 

 


RESUMO

O presente trabalho visa avaliar a importância de algas simbiontes para uma população de esponjas de água doce (Metania spinata, Metaniidae), encontrada na Lagoa Dourada, Brotas, SP, Brasil. A alga em associação simbiótica com Metania spinata é Chorycistis sp (Chlorophyceae, Chlorococcales) e pode localizar-se dentro ou entre as células da esponja, como evidenciado em estudos com M.E.T. As algas foram quantificadas, determinando-se também a taxa de produtividade primária e a importância destas para o crescimento da esponja. A quantificação da alga mostrou que ela representa, em média, 1,6% do total do volume da esponja. A produtividade primária das algas, determinada pelo método do oxigênio dissolvido, foi baixa em termos de produção primária líquida, provavelmente devido à pequena proporção entre o volume da biomassa algal e o da esponja, como indicada pela baixa razão P/R, que foi de 1,4. Em experimentos de luz-escuro, feitos para estimar a importância relativa da alga para o crescimento de M. spinata, as taxas de crescimento e as concentrações de clorofila evidenciaram a importância da alga simbionte, uma vez que houve uma redução de 50% na taxa média de crescimento nas gaiolas desprovidas de luz.

Palavras-chave: Porifera, Metania spinata, simbiose, Chlorophyceae, produtividade primária, taxas de crescimento.


 

INTRODUÇÃO

 

Simbiose com algas verdes unicelulares é um fenômeno muito difundido entre muitos dos filos de invertebrados de água doce. Uma variedade de diferentes aspectos dessa relação alga-invertebrado tem sido investigada, incluindo nutrição (18), efeito da alga simbionte na reprodução assexual do hospedeiro (14), respiração e fotossíntese (9, 10) e outros.

Demonstrações da natureza dos benefícios dessa associação têm sido feitas de numerosas formas. Alguns trabalhos (10) documentaram a transferência de fotossintatos das zooclorelas para as esponjas. Experimentos de luz-escuro (14) demonstram, em experimentos de luz-escuro, que há maior sobrevivência, crescimento e competitividade em organismos com simbiontes ativos, com relação a aposimbiontes. Alguns autores (7) investigaram o efeito de algas simbiontes no crescimento de esponjas de água doce, encontrando que as mesmas têm uma grande importância no desenvolvimento desses animais.

Alguns trabalhos têm enfocado o movimento de fotossintatos dos autótrofos para os heterótrofos em relações simbióticas, havendo uma boa revisão sobre o assunto (18). Além desse, a alga pode ter outros efeitos no hospedeiro. Alguns autores sugerem que as algas simbiontes poderiam beneficiar seu hospedeiro de várias maneiras, como por exemplo: tomando dióxido de carbono e produzindo oxigênio durante a fotossíntese, facilitando assim a respiração e a troca de gases, e tomando excretas do hospedeiro, como amônia e fosfato, criando um micro-ambiente menos tóxico para o animal. Ainda há poucas evidências diretas de que qualquer um desses benefícios seja essencial para o hospedeiro (14).

Alguns estudos (22, 23) têm demonstrado que essas esponjas, chamadas fototróficas derivam 50%, ou mais, de sua nutrição das atividades fotossintéticas das algas simbiontes.

Apesar de todas essas investigações, a natureza absoluta da relação entre alga e hospedeiro, em esponjas, permanece desconhecida.

O presente estudo objetiva avaliar a importância da relação simbiótica entre algas verdes e uma população de esponjas de água doce (Metania spinata, Metaniidae), presente na Lagoa Dourada, Brotas, SP, Brasil (47o 55' 2'' W e 22o 11' 33'' S). Para tal, a alga simbionte foi quantificada, sua produtividade primária foi determinada e sua importância para o crescimento da esponja foi avaliada, através de experimentos de luz-escuro.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Identificação e localização da alga simbionte

A análise qualitativa da alga simbionte foi feita pela extração da clorofila da esponja, utilizando-se o método do metanol a quente (11), e leitura em espectrofotômetro, varrendo o espectro de 300 a 700 nm. A identificação do material foi feita pelo Prof. Camilo Dias Jr. (Universidade Federal do Espírito Santo).

 

Para melhor caracterização da alga e para a determinação de sua localização nos tecidos da esponja, foram feitos cortes micrométricos que foram analisados ao microscópio eletrônico de transmissão (M.E.T.). O material foi fixado com glutaraldeído 3% e tetróxido de ósmio 1%, depois incluído em resina, cortado em ultramicrótomo (Sorvall, Porter-Blumm, ultra-microtome MT-2) com espessura de 90 a 150µ, observado em M.E.T. (Jeol 100 Cx).

 

Quantificação da alga simbionte

Concentração de clorofila

Para a extração da clorofila, utilizou-se um método combinado de metanol 90% a frio e a quente, que se mostrou mais eficiente quando comparado aos métodos tradicionais (11). Nesse método, porções de esponja, previamente pesadas, foram maceradas com metanol 90%, e deixadas no freezer durante a noite. No dia seguinte, as amostras foram aquecidas em banho-maria, mantidas por 5 minutos depois que o metanol levantou fervura e por mais 10 minutos com o fogo desligado. Completou-se o volume de cada uma para 10ml, centrifugou-se por 5 minutos com 3000 a 3500rpm e procedeu-se a leitura em espectrofotômetro Bausch & Lomb mod. 700, em 665nm (pico de absorção da clorofila a) e 750nm (turbidez). A concentração de clorofila foi calculada em microgramas por grama de peso seco sem cinzas (gPSSC) de esponja.

  

Densidade de algas nas esponjas

Quatro amostras de esponjas foram pesadas, maceradas e lavadas com água destilada até que ficassem com coloração esbranquiçada. O volume das suspensões algais obtidas foi completado até 50ml e, após homogeneização, a contagem das algas foi feita em câmara de Neubauer. A partir do valor médio de células/ml, foi estimado o número de células algais por gPSSC e por ml de esponja.

Biovolume das algas

O diâmetro de várias algas foi medido e seus volumes foram calculados pela fórmula do volume de uma esfera (4/3.p .r3). A partir do volume médio de cada alga simbionte e do número de algas por gPSSC de esponja, determinou-se o volume de algas por gPSSC e por ml de esponja, e o volume das algas, em termos percentuais, com relação à esponja.

Importância da alga simbionte para a esponja

Para se avaliar a importância das algas simbiontes no crescimento das esponjas, foi montado um experimento de luz-escuro em campo, semelhante aos realizados por outro autor (5), com dois objetivos básicos: (a) monitoramento da presença de simbiontes fotossinteticamente ativos pela análise da clorofila e (b) comparação das taxas de crescimento entre a gaiola com luminosidade normal e com luminosidade reduzida. Para tal, foram utilizadas 2 gaiolas de metal, onde foram suspensos seis recipientes cilíndricos (5cm de diâmetro e 10cm de altura) previamente pesados,

 

confeccionados com tiras de PVC e tule, onde foram colocadas porções de esponja de peso fresco também conhecido. Nas mesmas gaiolas, intercalados com os recipientes de crescimento, foram suspensos saquinhos de tule (seis em cada gaiola) com porções de esponja, para análise da variação da concentração de clorofila ao longo do experimento.

Uma dessas gaiolas foi mantida em condições de luminosidade normal (Figura 1a) e a outra foi mantida no escuro com um sistema de sombreamento em forma de túnel (Figura 1b), onde a água pode circular, permitindo a oxigenação da esponja e evitando a redução do fitoplâncton. O experimento teve duração de 89 dias, de 19/01 a 17/04/1990.

Os cilindros de crescimento, tanto da gaiola escura quanto da clara, foram retirados e pesados ao término desse período, calculando-se, então, a taxa de crescimento relativo ao mês e a taxa de incremento em termos de porcentagem do peso inicial por dia. Das esponjas utilizadas para análise da clorofila, uma parte foi retirada após aproximadamente metade da duração do experimento (42 dias) e o restante foi retirado ao final do período (89 dias).

Produção primária das algas simbiontes

A produção primária das algas simbiontes foi determinada pelo método das garrafas claras e escuras, através da variação da concentração do oxigênio dissolvido, (21).

 

Figura 1 - Modelos das gaiolas utilizadas nos experimentos de luz-escuro.

(A) Gaiola clara (1); pontos onde foram suspensas as esponjas (2); esponjas (3).

(B) Gaiola com sombreamento em forma de túnel (3); ripas de madeira (1); plástico preto (2).

 

Neste experimento foram usados um frasco-controle inicial com água da represa (fixado no início do experimento), quatro frascos experimentais (dois claros e dois escuros) com porções equivalentes de esponjas previamente pesadas, e quatro frascos-controle finais (dois claros e dois escuros) apenas com água da represa. Os frascos foram incubados in situ por 3 e 5 horas, a 30cm de profundidade.

A diferença entre a concentração de oxigênio da garrafa inicial e das garrafas escuras com esponjas, forneceu o valor da respiração das esponjas + plâncton, enquanto que a diferença entre a concentração de oxigênio do frasco inicial e dos escuros sem esponjas, forneceu apenas a respiração do plâncton. A diferença entre os dois valores, corresponde à respiração do sistema alga-esponja. Da mesma forma, a diferença entre a concentração do oxigênio das garrafas claras com esponjas e a inicial, equivale à produção primária líquida (fotossíntese-respiração) do plâncton e das algas simbiontes da esponja, enquanto a diferença entre as garrafas claras sem esponjas e a inicial, corresponde à produção líquida apenas do plâncton. A diferença entre esses valores é igual à produção primária líquida das algas simbiontes. A produção primária bruta (PPB) do sistema alga-esponja corresponde à soma de sua respiração (R) e de sua produção primária líquida (PPL).

As concentrações de oxigênio foram determinadas pela técnica de Winkler, com modificação da azida sódica (11).

A produção primária líquida foi expressa em mgC gPS-1 h-1 e a respiração foi expressa em mgC gPS-1 h-1 e em mgO2 gPSSC-1 h-1, para fins de comparação com trabalhos de outros autores. O fator utilizado para conversão de mgO2 em mgC foi 0,312, (21).

Com base nos valores de produção primária e respiração do sistema alga-esponja, determinou-se a razão P/R, com o intuito de se avaliar a importância das algas simbiontes para a comunidade como um todo.

 

RESULTADOS

 

Identificação e localização da alga simbionte

O espectro de absorção das algas simbiontes (Figura 2a e b) apresentou dois picos no visível: um no azul, próximo a 430nm (clorofilas e carotenóides) e outro no vermelho, próximo à 663nm (só clorofilas). Os resultados da análise qualitativa indicaram tratar-se de uma Chlorophyceae por apresentar 2 picos de absorção, um a 442nm e outro a 468nm, que correspondem, respectivamente,

 

a dois pigmentos característicos, a violaxantina e a neoxantina (4). O gênero foi identificado como Choricystis (Dias Jr., comunicação pessoal).

Figura 2 - Espectro de absorção luminosa da alga simbionte de M. spinata.

(A) Amostra fresca. (B) Cultura.

Observações ao M.E.T. mostraram que as algas são encontradas dentro das células da esponja (Figura 3) sendo, portanto, simbiontes verdadeiros.

  

Figura 3 - Fotomicrografia de transmissão de uma célula de esponja, mostrando a localização das algas simbiontes (aum. 1.800X).

 

Quantificação da alga simbionte

A análise quantitativa da clorofila a da alga simbionte por unidade de peso de esponja, resultou numa média de 292,71µg cl.a gPSSC-1 esponja. A densidade da alga simbionte no tecido da esponja, foi de 5,2 x 109 células.ml-1 esponja ou 1,4 x 1011 células gPSSC-1 esponja.

A alga simbionte apresentou um diâmetro médio de 1,83 ± 0,52µ e um volume médio de 4,02µ3. O volume de algas calculado por unidade de peso de esponja foi de 0,016cm3 alga ml-1 esponja ou 0,4494cm3 alga gPSSC-1 esponjas. As algas simbiontes representam, portanto, 1,6% do volume da esponja.

Importância da alga simbionte para M. spinata

Os resultados, em termos de crescimento, do experimento de luz-escuro estão representados na Tabela 1. Na gaiola clara houve um aumento considerável do peso médio (gPS) durante o experimento, com um crescimento relativo médio de 0,8544 gPS gPS-1 mês-1. Na gaiola escura houve um aumento de peso menor: o crescimento relativo médio praticamente se reduziu à metade (0,4482 gPS gPS-1 mês-1). A taxa de crescimento em termos de porcentagem de incremento diário com relação ao peso inicial, foi de 2,7% ao dia para a gaiola clara e 1,3% para a escura.

Tabela 1 - Variação do peso (gPS) e taxas de crescimento relativo (gPS.gPS-1.mês-1) das esponjas, nos experimentos de luz-escuro (de 19/01 a 17/04/1990).

 

A: GAIOLA CLARA

 

Peso seco (g)

Cresc. relativo

No

19/1

17/4

de 19/1 a 17/4

1

0,8852

2,8051

0,7394

2

0,8416

3,0940

0,9124

3

0,8214

2,7405

0,7965

4

1,0991

2,9899

0,5865

5

0,6229

2,1223

0,8206

6

0,4865

2,2999

1,2707

Média

0,7828

2,6753

0,8544

D. padrão

0,2137

0,3853

0,2307

 

 

B: GAIOLA ESCURA

 

Peso seco (g)

Cresc. relativo

No

19/1

17/4

de 19/1 a 17/4

1

0,7343*

-

-

2

0,4882

1,4122

0,6452

3

0,5705*

-

-

4

0,6923*

-

-

5

0,9401

1,4065

0,1691

6

0,5971

1,5260

0,5303

Média

0,6751

1,4482

0,4482

D. padrão

0,2358

0,0674

0,2484

* = amostras perdidas

 

As esponjas da gaiola escura tomaram uma forma mais delgada, com uma coloração verde claro, sendo seu estado fisiológico ao final do experimento, muito mais deteriorado do que as da gaiola clara. Ao término do experimento, quase todas as esponjas, tanto da gaiola clara quanto da escura, haviam formado gêmulas.

 

Os resultados da análise de clorofila desse experimento estão na Tabela 2. Os dados mostram que as amostras de esponjas retiradas da gaiola clara após 42 dias, estavam ainda verdes e vistosas, apresentando concentrações de clorofila relativamente altas ( = 345,76µg cl.a gPSSC-1 esponja; S = 31,06), inclusive maiores do que a concentração inicial (279,65µg cl.a gPSSC-1 esponja). Já as retiradas após 89 dias, não apresentavam um estado fisiológico tão bom, uma parte delas apresentando coloração marrom e gêmulas; a média de clorofila a foi 131,52µg gPSSC-1 esponja (S = 161,57).

Na gaiola escura, tanto as amostras coletadas após 42 dias, como no final, após 89 dias, já apresentavam coloração marrom e algumas haviam formado gêmulas, observando-se uma drástica redução na concentração de clorofila a. As médias da concentração de clorofila foram 4,14 e 18,20µg gPSSC-1 esponja, respectivamente (S = 5,84 e 16,25).

 

Produção primária das algas simbiontes

A Tabela 3 mostra os resultados dos experimentos de produção primária, em que a PPL apresentou um valor médio de 0,442 mgC gPS-1 h-1 (ou 2,7660mgO2 gPSSC-1 h-1); a média da respiração foi 1,1038 mgC gPS-1 h-1 (ou 6,8707 mgO2 gPSSC-1 h-1) e a média da PPB foi de 1,5480 mgC gPS-1 h-1 (ou 9,6370 mgO2 gPSSC-1 h-1). A razão P/R foi igual a 1,4.

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

 

Identificação e localização da alga simbionte

Embora associações com Chlorophyceae sejam comuns em ambientes de água doce, não há nenhuma referência bibliográfica do gênero Choricystis vivendo em associação simbiótica com esponjas.

A localização da alga dentro do hospedeiro pode variar em diferentes associações: em esponjas de água doce e suas gêmulas, elas ocorrem primariamente dentro dos arqueócitos (20). Em esponjas marinhas, estudos demonstraram que as algas simbiontes podem se localizar tanto no mesohilo, como dentro das células da esponja (17).

 

Tabela 2 - Variação da concentração de clorofila em experimentos de luz-escuro (de 19/01 a 17/04/1990).

A: GAIOLA CLARA

Data

No

GPSSC

Leitura

Clorofila a

Observações

 

 

Esponja

665 nm

750 nm

µg/gPSSC esp.

(coloração)

19/1

inicial

0,226

0,46

0,005

279,65

Verde

1/3

1

0,0189

0,50

0

367,72

Verde

1/3

2

0,0206

0,48

0

323,79

Verde

17/4

3

0,0226

0,60

0

369,03

Verde

17/4

4

0,0188

0,09

0

66,49

verde claro, gêmulas

17/4

5

0,0185

0,11

0

82,70

Marrom

17/4

6

0,0178

0,01

0

7,87

marrom, gêmulas

 

B: GAIOLA ESCURA

Data

No

GPSSC

Leitura

Clorofila a

Observações

 

 

Esponja

665 nm

750 nm

µg/gPSSC esp.

(coloração)

1/3

1

0,0169

0,01

0

8,28

marrom, gêmulas

1/3

2

0,0162

0

0

0

marrom

17/4

3

0,0168

0

0

0

marrom

17/4

4

0,0177

0,05

0

39,55

marrom, gêmulas

17/4

5

0,0164

0,02

0

17,07

marrom

17/4

6

0,0173

0,02

0

16,19

marrom

 

As algas simbiontes de M. spinata ocorrem dentro das células da esponja e, aparentemente, também no mesohilo.

 

Quantificação da alga simbionte

Alguns autores (10), observaram que a maioria das células de Spongilla lacustris, particularmente os arqueócitos, contém um grande número de inclusões de zooclorelas simbióticas, tanto em esponjas ativas quanto em gêmulas. Para quantificar essas algas, os autores fizeram determinações de clorofila a por unidade de peso de esponja e encontraram valores de 60µg cl.a gPF-1 para S. lacustris e de 460µg cl.a gPF-1 para uma esponja de água doce não identificada.

Neste trabalho, para M. spinata, obteve-se um valor médio de 292,71µg cl.a gPSSC-1, ou, quando convertido para a mesma unidade utilizada pelos autores supracitados, 51,21µg cl.a gPF-1, um valor bem próximo ao encontrado para S. lacustris.

 

Tabela 3 - Experimentos de produção primária do sistema alga-esponja. (A) Concentrações de oxigênio (mg.l-1), peso seco das esponjas e duração dos experimentos. (B) Produção primária líquida (PPL), respiração (R) e Produção primária bruta (PPB).

A)

Experimento

A

B

C

D

Duração (h)

5

5

3

3

Inicial

10,09

8,08

9,99

8,17

Claro c/ esponja

9,43

8,48

9,66

7,49

Claro s/ esponja

9,22

7,71

9,42

6,80

Escuro c/ esponja

7,10

4,91

8,33

5,80

Escuro s/ esponja

9,51

7,65

9,55

6,62

PS esponja (claro)

0,0736

0,0796

0,0751

0,1065

PS esponja (escuro)

0,0646

0,0879

0,0878

0,0842

 

B)

I) mgC.gPS-1.h-1

 

Experimento

PPL

R

PPB

A

0,1780

0,0145

0,1925

B

0,5997

1,9487

2,5484

C

0,3254

1,4392

1,7646

D

0,6738

1,0128

1,6866

Média

0,4442

1,1038

1,5480

D. padrão

0,2323

0,8208

0,9839

 

II) mgO2.gPSSC-1.h-1

 

Experimento

PPL

R

PPB

A

1,1170

0,0917

1,2087

B

3,7500

12,1192

15,8692

C

2,0412

8,9602

11,0014

D

4,1560

6,3125

10,8645

Média

2,7660

6,8709

9,6370

D. padrão

1,4312

5,1049

6,1218

 

A proporção de organismos simbiontes, a concentração de clorofila em função de diferentes espécies algais, ou ainda diferenças fisiológicas nas células algais, no entanto, variam consideravelmente de uma espécie para a outra, como pode ser evidenciado pelo conteúdo de clorofila a encontrado em dez espécies marinhas (22), que variou de 1,9 a 116,1µg cl.a gPF-1.

Burkholder & Burkholder (1959 e 1960, apud 10) encontraram para corais, valores de 115 a 528µg cl.a gPF-1 e para vários Anthozoa, valores que variaram entre 30 e 336µg cl.a gPF-1.

Os resultados da contagem das algas simbiontes de M. spinata, indicaram uma altíssima densidade por unidade de volume de esponja (5,2 109 células ml-1 esponja), sugerindo grande importância das algas para esse porífero.

No que diz respeito ao biovolume das algas simbiontes em relação à esponja, o valor encontrado foi ligeiramente mais baixo do que os registrados na literatura: 0,016cm3 alga ml-1 esponja, o que resultou numa proporção de 625:1 (hospedeiro:alga). Muscatine (1961, apud 19), registrou uma razão de 332:1 (hospedeiro:alga) para anêmonas do Oceano Pacífico, enquanto outro autor (19) registrou uma razão média de 293:1 para Anemonia sulcata, mas com valores variando de 178:1 a 410:1.

Importância da alga simbionte para M. spinata

Os resultados das análises de clorofila a indicaram que o potencial de contribuição da alga para o crescimento de M. spinata, em condições de luminosidade reduzida, foi pequeno. Tanto nas análises das amostras retiradas em 01/03, quanto nas retiradas em 17/04 da gaiola escura, houve uma drástica redução de clorofila a. A diminuição da concentração de clorofila nas amostras da gaiola clara de 17/04 com relação à 01/03, deve ter sido devido à redução da esponja e formação de gêmulas características nessa época do ano. Mesmo esponjas de coloração marrom apresentaram ainda alguma quantidade de clorofila, que resulta de algumas poucas células que ainda continham simbiontes ativos, ou das próprias gêmulas, que podem conter algas simbiontes. No presente trabalho a ausência da atividade algal nas esponjas da gaiola escura, teve um efeito dramático sobre o crescimento de M. spinata.

Alguns estudos mostram que a simbiose de algas com invertebrados tem influência no crescimento e manutenção de uma variedade de organismos (13, 15). No entanto, esses estudos foram conduzidos em laboratório ou em sistemas semi-naturais. Na primeira investigação sobre o papel das algas simbiontes em condições naturais (7), foi observada uma grande redução na concentração de clorofila a em experimentos com luminosidade reduzida e um crescimento maior naqueles sob luminosidade normal. O crescimento das esponjas submetidas à falta de luz foi de apenas 20% do crescimento das esponjas sob condições normais, em 1975. O aumento médio encontrado pelos autores nesse experimento foi de 4,1 e 0,8mgPSSC dia-1 para esponjas de gaiolas claras e escuras, respectivamente. Em experimentos semelhantes desenvolvidos pelos mesmos autores em 1976, as esponjas das gaiolas escuras exibiram uma taxa de crescimento de 49% da taxa das esponjas sob luminosidade normal. O aumento médio por dia, durante esse período, foi de 4,6 e 2,2mgPSSC para as esponjas das gaiolas claras e escuras, respectivamente.

 

No presente trabalho, se os dados de crescimento de M. spinata forem convertidos para a unidade utilizada pelos autores citados (7), resultam num aumento médio de 11,6mgPSSC dia-1 para as esponjas da gaiola clara, e de 4,7mgPSSC dia-1 para as esponjas da gaiola escura, valores algo maiores do que os encontrados por esses autores, provavelmente devido às diferenças de temperatura do ambiente, uma vez que seus experimentos foram realizados em região temperada.

Os dados obtidos neste trabalho, demonstram que as algas têm grande influência no crescimento de M. spinata, uma vez que houve uma redução de cerca de 50% na taxa média de crescimento nas gaiolas escuras, confirmando a idéia de que as mesmas são componentes importantes da associação.

Essa importância tem sido também observada por outro autor (23), que analisando esponjas fototróficas marinhas, constatou que estas derivavam 50%, ou mais, de sua nutrição da fotossíntese das algas simbiontes. Segundo Sàra & Vacelet (apud 12), o volume que os simbiontes ocupam nos tecidos de certas demospongias e suas taxas de síntese superiores à do animal, sugerem uma importância fisiológica e ecológica considerável.

 

Produção primária das algas simbiontes

As poucas medidas de respiração feitas para esponjas variam bastante, com valores, por exemplo, entre de 0,25 a 0,75mlO2 gPSSC-1 h-1 para uma espécie marinha temperada (3). No presente trabalho os valores de respiração de M. spinata variaram entre 1,3 e 6,69mlO2 gPSSC-1 h-1, provavelmente mais elevados devido à temperatura mais alta do corpo de água em que M. spinata ocorre.

Para S. facustris, num mês de verão, autores (10) encontraram um valor médio de 9,1mgO2 gPSSC-1 h-1; em M. spinata os valores, na mesma unidade, variaram entre 1,6 e 9,6.

Para três espécies marinhas (16) foram registrados valores de 4,0 e 16,2µgO2 gPS-1 minuto-1. O mesmo autor, em 1981, apresentou um valor de 17,9µgO2 gPS-1 minuto-1, para outra espécie marinha. Os valores de M. spinata, convertidos para essa unidade, foram mais altos, variando entre 14,5 e 85,4µgO2 gPS-1 minuto-1.

Algas e bactérias simbiontes têm uma grande influência no consumo de oxigênio das esponjas (6). S. lacustris, com abundantes algas simbiontes, exibe taxas respiratórias ao menos cinco vezes maior (8) do que as esponjas marinhas estudadas por outro autor (16). Isso mostra a importância dos simbiontes na energética da esponja.

A respiração das esponjas também é influenciada pela temperatura, com valores maiores em temperaturas maiores (2), pelo tamanho das esponjas (maior em esponjas menores) e pelo transporte de água, responsável por grande parte da demanda respiratória da esponja (6).

 

Os valores de respiração de M. spinata foram relativamente altos quando comparados aos de outros invertebrados bentônicos (1).

Os valores de PPL parecem ter sido subestimados, quando comparados com valores obtidos por outros autores. Autores (10), usando a técnica do oxigênio para a determinação da produção primária de S. lacustris, obtiveram um valor médio de PPL (22mgO2 gPSSC-1 h-1) aproximadamente oito vezes maior do que o obtido neste trabalho e, consequentemente, um valor médio de PPB também maior (31,1mgO2 gPSSC-1 h-1). Assim, a relação P/R obtida por esses autores foi de 3,4, enquanto que a obtida neste trabalho foi de 1,4, para um período de incubação de 5 horas (das 10:00 às 15:00 horas).

Uma possível causa para a diferença entre esses valores de PPL pode decorrer do fato de os autores citados terem considerado a produção de oxigênio e respiração do plâncton negligenciáveis nos experimentos com esponja e plâncton juntos, não tendo sido feitas as correções para o metabolismo do plâncton, resultando numa superestimação destes valores. Essas correções foram feitas para os cálculos de produção e respiração de M. spinata. O valor da relação P/R igual a 1,4 indica que houve um balanço positivo de produção primária do sistema alga-esponja, contribuindo, portanto, para a produção da represa como um todo.

A importância da associação para as esponjas tem sido investigada por vários autores.

A importância das cianobactérias para esponjas marinhas foi examinada (22), com a determinação de seu potencial fotossintético (P/R), obtendo-se valores que variaram de 0,28 a 4,31, indicando que a fotossíntese dos simbitontes pode, potencialmente, fornecer boa parte da energia necessária para a sobrevivência das esponjas, se a transferência de energia se dá pela passagem do fotossintato da alga simbionte para o hospedeiro, como demonstraram outros autores (24). Potenciais fotossintéticos (P/R) de 0,3 a 6,3 foram encontrados para esponjas marinhas e de 1,6 a 6,3, para corais (22).

As trocas metabólicas entre alga e esponja, sugeridas por alguns autores (20) e demonstradas por outros (15). Esses autores mostraram que algas simbióticas de um ciliado, uma esponja e uma hidra, excretam 86,7% de seu fotossintato total como maltose ou glicose, enquanto que as de vida livre liberam uma quantidade bem menor (7,6%) e a maioria sob a forma de ácido glicólico. Segundo esses autores, o controle e a utilização do glicerol excretado por algas simbiontes, representa um mecanismo pelo qual as zooxantelas contribuem para a produtividade dos recifes de coral. Outros pesquisadores (10) também mostraram que há transferência de fotossintatos das zooclorelas simbiontes para as células de esponja.

A intensidade com que a alga contribui para a nutrição da esponja depende do regime de luz e da profundidade do habitat. Até agora nenhuma quantificação desse processo foi feita.

 

AGRADECIMENTOS

 

 

Agradecemos ao Instituto de Biociências da UNESP de Rio Claro, em especial à Carminda Landin, pela utilização do ultramicrótomo e do microscópio eletrônico de transmissão.

 

ABSTRACT

 

Symbiotic association of Metania spinata (Porifera, Metaniidae) and Chlorophyceae. The present work aimed to estimate the importance of a simbiont algae to a freshwater sponge population (Metania spinata, Metaniidae) at "Lagoa Dourada" in the "Lobo" Watershed, Brotas District, São Paulo State, Brazil. The simbiont algae was identified as Choricystis (Chlorophyceae, Chlorococcales). The density of the algae in the sponge tissue and its productivity were determined. The importance of the algae to the sponge's growth was estimated by field light-dark experiments (cages). Algae's quantifications have shown that it represents, as a mean, 1,6% of the total volume of sponge. The primary productivity was estimated by dissolved oxygen method (light and dark bottles). The sistem algae-sponge had low values of net primary production, due to the small proportion of algae biomass to that of sponges, as shown by the low ratio P/R, which was only 1,4. In the light-dark experiments, performed to estimate the relative importance of the algae to M. spinata, growth rates and chlrophyll concentrations were determined and have shown an important role of the simbiont algae, since a reduction of 50% in the mean growth rates at the cages without light was observed.

 

Key words: Porifera, Metania spinata, symbiosis, Chlorophyceae, primary productivity.

 

 

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