ARTIGOS

I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

A PAISAGEM DAS VÁRZEAS E OS "PISCINÕES" 1

 

FERREIRA, Renata Cristina 2

1 Trabalho inicial de tese de mestrado junto ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, co-orientado pelo Arquiteto José Francisco, Professor da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar.

2 Geógrafa, mestranda da Área de Concentração em Engenharia Urbana.

 

INTRODUÇÃO

A abordagem das questões sobre ecologia da paisagem e planejamento ambiental é extremamente relevante na compreensão da apropriação social do espaço, seja ele natural ou adaptado. O homem acelera a dinâmica natural da paisagem, mas não cria uma nova para solucionar seus problemas.

Neste artigo faremos algumas considerações que envolvem a problemática da ocupação da várzea do rio Tamanduateí, onde a degradação da paisagem acarreta não só a perda do potencial paisagístico, mas a queda da qualidade das ocupações.

Nossa análise busca elementos para a compreensão de como, efetivamente, a construção do espaço urbano degrada a paisagem. O cenário natural acaba sucumbido pelo artificial sem interação propositiva alguma.

Não se trata de lastimarmos a perda do espaço natural em detrimento dos novos usos. O que não se pode, é além de ignorar a natureza, transformá-la num espaço como armadilha para o desenvolvimento e uso urbano.

O rio propicia condições para a implantação da cidade em um primeiro momento. Depois a cidade o negligencia, estabelecendo uma relação não harmônica entre eles. Se observarmos o caso da cidade de São Paulo e seu relacionamento com seus rios ver-se-á um grande descaso e um convívio conflituoso com o meio ambiente. Ele é visto somente como suporte e insumo de trabalho, como fonte inesgotável de vida. Ao referir-se, atualmente, aos principais rios da cidade, Tietê, Pinheiros e Tamanduateí,

pode-se ligá-los a questões como enchentes, mal cheiro, poluição, produtos expressivos da falta de planejamento ambiental.

Hoje é difícil imaginar-se a paisagem de "fronteiras-d’água", numa cidade como São Paulo, com beleza paisagística de qualidade. Ontem, águas limpas e transparentes, hoje poluídas, num estorvo para a população. As olarias desaparecem com o fim das várzeas. Agora coexistem ‘só’ faixas de asfalto, numa outra ocupação que favorece o uso do automóvel. Pelo rio temos interesse em duas situações: para a implantação de sistema viário, num primeiro momento, e em seguida cuidarmos dos engarrafamentos de veículos e das enchentes.

Pode-se afirmar que a desconstrução das várzeas tem como agentes principais o Estado, representado pelo poder local na fiscalização de projetos, e a iniciativa privada, pelo comércio fundiário. Seja pela má aplicação das leis ou pela busca de lucro fácil, o que temos é uma paisagem desarticulada – a anti-paisagem- do fator geográfico que a originou – o rio.

A escolha de tal enfoque busca explicitar as bases conflituosas em que se encontra a preservação da paisagem.

 

A IMPOSIÇÃO ECONÔMICA

O binômio homem-natureza é uma expressão dos acordos entre os homens sobretudo a partir dos valores impostos pelas disputas econômicas. A imagem da cidade aparece contraposta à da natureza onde o rio, apesar de fazer parte intrínseca daquela imagem, vai se transformando e deixando de representar antigos anseios.

O modelo do desenvolvimento adotado no Brasil penalizou a natureza e a sociedade, principalmente enquanto ditame econômico. A paisagem sendo o cenário que recebe as determinações impostas pelo capital, cria, enormes dificuldades em aceitar suas formulações. Este fato pode ser visto em diferentes regiões das cidades brasileiras, sobretudo nas suas inúmeras fronteiras d’água.

Através da acumulação primitiva, a sociedade começa a se desenvolver e consequentemente seu espaço. Durante séculos a cidade não passou de um agrupamento de pessoas, num espaço fortificado. Esta proteção deu lugar à exploração desenfreada da natureza: em lugar da segurança, os homens começaram a procurar a expansão e a conquista. Em muitas ocasiões essa forma de produção do espaço trouxe consigo o esfacelamento do natural.

Como analisar esse esfacelamento num contexto urbano, considerando por exemplo a dinâmica de uma cidade como São Paulo, e sua constante "corrida" pelo novo? É uma cidade que cresce e se transforma a cada dia em uma velocidade surpreendente, numa lógica autofágica, envolvida num processo contínuo de dissolução e reconstrução.

O espaço urbano existente é ocupado, construído, destruído, transformado sempre trazendo modificações à nossa paisagem. O que acontece entre o existente e o novo, chamamos de desconstrução do espaço, ou seja, de espaço desconstruído. Ele caracteriza-se como processo completo entre o antigo e o novo espaço; o resgate da consciência da destruição que viabiliza a construção e, ainda, da identidade destruição-construção.

A velocidade da transformação se torna um valor econômico, com isso um novo mundo se introduz na cidade – o espaço é a grande mercadoria, natural ou artificial.

 

OCUPAÇÃO DA VÁRZEA DO TAMANDUATEÍ

Se a cidade é o lugar da festa, os rios, em São Paulo, são muitas vezes, o lugar do sofrimento e da tragédia.

Estudando a metrópole paulistana., a várzea do rio Tamanduateí, permaneceu abandonada, isolando as principais colinas urbanizadas. Posteriormente se constituiu como o sítio básico do parque industrial paulistano. Nota-se que a maior porcentagem dos seus primeiros bairros residenciais coincide com os diversos níveis das colinas, ao passo que a grande maioria dos bairros industriais e operários justapõem-se aos terraços e planícies aluviais do Tietê e alguns de seus afluentes.

Recuperando a história da São Paulo quinhentista, é fácil lembrar do uso dos seus rios. A cidade nasceu no espaço entre as várzeas do Tamanduateí e do Anhangabaú. Esse foi o local escolhido pelos primeiros povoadores da cidade, tendo o rio como palco.

As transformações especificamente ao longo da várzea do rio Tamanduateí ocorreram de forma diversificada em relação ao tempo e ao espaço. Sua ocupação recebeu grandes impactos dos diversos processos econômicos que tiveram reflexos na região: primeiro a ferrovia, posteriormente a avenida dos Estados que o margeia, e, recentemente do projeto Fura-Fila em execução sobre a lâmina d’água.

Todas essas intervenções geraram um grande impacto à paisagem da várzea. Estas transformações só vieram a complicar ainda mais a situação caótica em que se encontram as regiões ribeirinhas da metrópole paulistana. Quando acreditamos que a situação melhora, encontramos novos projetos que prejudicam ainda mais a qualidade na ocupação de nossas várzeas.

Atualmente, está cada vez mais freqüente, obras para contenção de águas pluviais. Elas normalmente significam "obras de engenharia" onde a questão paisagística está sendo deixada de lado, trazendo inúmeras conseqüências para a população. Em última análise os piscinões – nome popular atribuído as obras de reservatórios temporários de águas de chuva - são aceitos facilmente como sendo o melhor método para prevenir inundações. Duvidamos que com essas obras se alcance uma melhor qualidade ambiental.

Como primeira resposta para uma melhor adequação de tais problemas, propomos deixar áreas inundáveis para a implantação de lagoas artificiais numa política de parque lineares. Elas trariam de volta à cidade sua beleza paisagística, área de lazer e em épocas propícias também resolver os problemas de enchentes, decorrentes da ocupação das várzeas.

A pesquisa em processo de execução, está procurando demonstrar o grande descaso que vem ocorrendo com as ocupações das várzeas, o desinteresse pelas questões ambientais e principalmente com o funcionalidade duvidosa de obras como os "piscinões". Entendemos que o trabalho deva oferecer subsídios para avanços teóricos e novas posturas da prática ambiental com relação as fronteiras-d’água.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AB’SABER, A. A tipologia dos sítios inundáveis por ocasião de grandes chuvas. In: São Paulo (Município) Prefeitura Municipal. Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. SVMA: que sigla é esta? São Paulo, 1996. P.11-24.

AZEVEDO, A. A cidade de São Paulo: estudos da geografia urbana. São Paulo: Editora,v.1,1958.

CAMPOS FILHO,C.M. Cidades brasileiras: seu controle ou o caos (o que os cidadãos devem fazer para a humanização das cidades no Brasil). 2ª.ed. São Paulo: Studio Nobel, 1992.

MUNFORD, L. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 1982.

SANTOS, J.L. A paisagem recriada. São Paulo: Instituto Roberto Simonsem, 1980.

SEABRA, O. Enchentes em São Paulo, culpa da Light? Revista Memória, v.1, n.1,1988.

TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.