ARTIGOS

I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

A MINERAÇÃO DE AREIA E A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NA SUB-BACIA DO RIO CORUMBATAÍ, SP.

 

Tauk-Tornisielo, S. M.1, Domingos, R. N. 1, Iamamoto, C. Y.2, Bonotto, D. M. B. 2, Rosa, G.ªP. 2, Pinheiro, G. S. 2, Melo Neto, J. E. 2, Esquierro, J. C. 2, Taveira, L. S. 2, Pereira, L. A.2, Moreira, P. R. 2, Mendonça, S. A. T. 2, Ceregato, S. A. 2, Camargo, S. A. F2.

1 Professores responsáveis pela Atividade Complementar do curso de Pós Graduação do CEA/UNESP, Rio Claro, SP.

2 Alunos do curso de Pós Graduação do CEA/UNESP, Rio Claro, SP.

Centro de Estudos Ambientais, Universidade Estadual Paulista, Avenida 24-A, nº1515, Bairro Bela Vista, CEP 13.506-900, Rio Claro, SP

 

Introdução

O homem atual, no mundo civilizado, consome por ano aproximadamente de 200 a 300Kg de bens de origem animal, de 400 a 600Kg de bens de origem vegetal e algumas toneladas de bens de origem mineral (Pinheiro, 1989).

Entre os bens de origem mineral situa-se a areia que teve seu apogeu no Brasil na década de 70, atualmente verifica-se a sua decadência e praticamente a extinção de regiões que foram grandes produtoras (Bacci, 1994).

Segundo a Portaria n.º 59, de 18/02/92, em seu Art. 3º, b, "areia é um depósito existente no leito ou à margem dos cursos d’água, formado de grãos incoerentes de minerais diversos, geralmente com predomínio de quartzo".

Atualmente na sub-bacia do rio Corumbataí há um amplo desenvolvimento do Polo Cerâmico Regional de Santa Gertrudes, porém ainda ocorrem situações críticas decorrentes da explotação da areia. Esta acarreta uma devastação em áreas localizadas, traduzidas por desmatamento da superfície, remoção e perda do solo superficial e após o esgotamento da jazida ocorre o abandono de cavas profundas, juntamente com o efeito destas acarretando instabilização das áreas adjacentes, quando em encostas de terrenos elevados.

A esta devastação associa-se a conseqüente alteração da drenagem natural com o assoreamento de rios, lagos e desvios nos cursos de água. O processo de lavagem e peneiramento

das areias e cascalhos são liberadas, como rejeitos, as frações finas que são lançadas diretamente nos corpos de água ou em cavas abandonadas, acarretando poluição através das partículas em suspensão.

A exploração do setor de areia para construção civil é caracterizada pela falta de planejamento, pela complexidade dos processos de lavra e beneficiamento e da forte presença de produtores clandestinos. Tais características impedem o exercício de uma explotação racional e mantém práticas inadequadas, com interferências sobre o ambiente.

Na sub-bacia do rio Corumbataí a exploração da areia teve início na segunda metade do século XIX. Com o crescimento das atividades no setor da construção civil, pela proximidade desta sub-bacia com a cidade de São Paulo e por esta ter sido um ponto terminal da rede ferroviária, tornou-se um alvo de exploração progressiva de areia.

A sub-bacia do rio Corumbataí, cheia de meandros, com abundantes matas de cabeceira e menor intensidade de matas ciliares, foi e tem sido alvo de intensa ação agrícola, predominando monoculturas como a da cana-de-açúcar. Suas cabeceiras na escarpa da Serra Geral, sem a proteção natural de matas, começaram a soltar os grão de areia da Formação Botucatu.

A exploração de areia na sub-bacia do rio Corumbataí pode ser dividida em duas categorias: areia industrial e a areia para construção civil (Zaine & Perinoto, 1996). A primeira é extraída dos arenitos das Formações Rio Claro, Pirambóia e Botucatu, tendo: alto teor em sílica (aproximadamente 99%); baixo teor de argila, ferro e minerais pesados; com boa distribuição granulométrica; com homogeneidade da composição granulométrica; e, com altos valores de arredondamento e esfericidade.

A areia para construção civil é retirada do fundo de cursos de água ou de cavas na planície aluvionar, através de bombas de sucção e é levada por tubulação, até separadores e posteriormente, empilhada para secagem. Este tipo de areia abastece, principalmente, os mercados de construção civil que não exigem um produto de qualidade tão refinada como é exigido para a areia industrial.

Atualmente, o aspecto legal influi na exploração de areia visto que as leis mais rigorosas, aliadas à intensa fiscalização e controle, torna a sua extração uma atividade mais complexa do que há alguns anos atrás; os produtores nesse processo produtivo têm buscado licenciamento como mineradores e não como areeiros.

Devido a importância da atividade extrativa de areia ao longo da sub-bacia do rio Corumbataí e por ser uma atividade sem qualquer exploração racional, objetivou-se realizar a Análise de Impactos Ambientais (AIA). Com os resultados a serem obtidos propôs-se colocar algumas estratégias para uma gestão integrada do recurso, nesta sub-bacia.

A fim de avaliar as dificuldades que podem surgir no tocante às leis, um dos objetivos foi o de realizar um levantamento da legislação que normatiza a atividade mineradora no Brasil.

 

Metodologia

Foi realizada a localização e a litologia da área de estudo, verificando-se a presença dos Grupos Tubarão, Passa Dois, São Bento e Bauru, além de sedimentos cenozóicos que se distribuem amplamente na sub-bacia. Esta encontra-se na Província Geomorfológica denominada Depressão Periférica Paulista, Zona do Médio Tietê, caracterizada pelo predomínio de topografia pouco acidentada, não ultrapassando a 200m de desnível. O relevo é representado por morretes alongados, espigões, colinas médias e amplas, separadas por vales sem planícies aluviais importantes (Bacci, 1994).

Os solos da área da sub-bacia do rio Corumbataí são, de forma geral, pobres, não somente pela fertilidade original, como também pelo uso inadequado durante muitos anos. O solo predominante é o podzólico vermelho-amarelo (42,9%), seguido pelo latossolo vermelho amarelo (22,1%). Em ambos há predomínio da textura arenosa, bem drenados, com lixiviação e infiltração grandes, sendo pobres em matéria orgânica, são ácidos e pouco adequados para a agricultura (Zaine & Perinoto, 1996).

A vegetação primitiva original, constituída por matas, foi totalmente modificada. O mesmo ocorreu com o revestimento original de cerrados e campos nas partes mais elevadas do relevo. Atualmente a predominância ainda é de pastagem (47,1%) e de cana-de-açúcar (31,8%), Zaine Perinotto, 1996. O clima da região é de período seco, compreendendo os meses de março a setembro e outro período, chuvoso, entre os meses de outubro a fevereiro, com precipitação média anual de 1.100mm em 60/70 dias.

As primeiras etapas da AIA compreenderam: inventário e obtenção de documentos específicos ao estudo proposto; visita às áreas; entrevistas com proprietários; filmagens e fotografias. Foram realizadas: a caracterização dos empreendimentos (razão social, localização, empreendedor, descrição da área e outros); descrição do método de lavra e do beneficiamento; identificação dos impactos ambientais negativos e positivos e das atividades mitigadoras.

 

Resultados e Discussão

Uma das minerações localizada na sub-bacia do Corumbataí foi estudada para obtenção de resultados que atingissem os objetivos propostos. A mineradora de cava estudada explota areia para fins industriais e localiza-se dentro de uma área urbana e em um vale aberto. Este último tem uma inclinação média dos flancos de 20 a 40%, mas existem locais onde ocorrem paredes abruptas, quase que verticais, acarretadas pela erosão ou pelas próprias atividades da mineração.

Os métodos de lavra e beneficiamento podem ser diversificados, mas o sistema a céu aberto de bancadas tem sido mais usual na área em estudo. Alguns materiais sólidos não aproveitados, considerados rejeitos, são levados para locais de aterros ou para estradas e acessos, ou ainda para voçorocas. O rejeito argila que sai da unidade de lavagem é conduzido para lagoas de decantação, onde, por sedimentação mecânica gravitacional, se separa da água de lavagem. Esta última pode ser reaproveitada em um circuito fechado, repondo-se apenas a água que se perde durante todo o processo.

A identificação de impactos ambientais negativos permitiu verificar a destruição da flora, que somente após a explotação do minério e a recomposição do relevo, poderá ser tomada medida de recuperação da área. Existem alguns estudos sobre a fauna na sub-bacia do rio Corumbataí, porém nada foi registrado quanto as alterações da mesma acarretadas pela explotação da areia.

Verifica-se que a paisagem fica bastante alterada com a exploração de areia, entretanto, poucas mineradoras utilizam medidas mitigadoras para minimizar os impactos ambientais negativos que acarretam. Algumas destas empresas realizam a remodelação de cada frente de lavra. Alguns destes empreendimentos localizam-se nas margens do rio Corumbataí, atingindo áreas de preservação ambiental permanente, não tendo dimensionamento da jazida, como também a previsão de vida útil pelo método de lavra utilizado, em cava de rio.

A extração da areia do leito do curso de água por meio de um conjunto elétrico moto-bomba, instalado sobre uma draga flutuante estacionária, que succiona e recalca água e areia para um sistema de peneiras que separam os seixos e restos vegetais. Não foi possível identificar a fauna presente no local de estudo, talvez devido a movimentação de pessoas e do barulho ocasionado por esta atividade. As dragas não capturam peixes, contudo, deve ocorrer prejuízos para a ictiofauna, decorrente do aumento da turbidez da água do rio, imediatamente ao trecho explotado.

Paralelamente a estes estudos, foram examinadas algumas das leis a nível federal, estadual e municipal. A jazida para ser lavrada necessita antes da legalização requerida no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Ministério das Minas e Energia, recebendo um Alvará de Pesquisa. Posteriormente elabora-se o Plano de Aproveitamento Econômico, ou Plano de Lavra e o Plano de Recuperação Ambiental da Área. A lavra poderá ser iniciada após a autorização do DNPM, inicialmente através da Guia de Utilização e após, por uma Portaria de Lavra, publicada no Diário Oficial da União.

Apesar da extração mineral, principalmente para areia, existir desde o século passado, apenas em 1967 foi estabelecido o regime de aproveitamento das substâncias minerais através da publicação do Código de Mineração. Este último apesar de ter sofrido algumas alterações e inovações ao longo dos anos, principalmente após a Constituição de 1988, seu regulamento e legislação correlativa, continuam em vigor (Machado, 1998).

A exploração mineral pode ser, de uma certa maneira, bloqueada pela legislação ambiental, pois o alvo da atividade mineral (jazidas ou minas) está inserido no ambiente, cuja preservação ou conservação são deveres não somente da União, como também dos Estados e Municípios.

Apesar da APA Corumbataí não ter sido ainda regulamentada, ela determina que:

- a atividade minerária de extração de areia para construção civil no fundo do rio poderá realizar-se mediante a comprovação da capacidade de extração de reserva existente, não sendo admitida alteração significativa das condições originais do corpo de água e de poluição através de despejos de efluentes na água;

- a via de acesso ao corpo d’água deverá ficar restrita a uma largura máxima de 4m, sendo mantidos intervalos nunca inferiores a 250m entre estas vias;

- fica proibida a mineração de areia nas faixas de preservação permanente; e

- fica proibida a utilização das faixas de preservação permanente para depósito de areia, mesmo que em caráter temporário.

Em 1998, dos 17 portos de areia conhecidos na sub-bacia do rio Corumbataí, nenhum tinha a documentação em dia, 3 deles possuíam licença ambiental, mas sem o Programa de Recuperação de Área Degradada (PRAD) e 14 restantes em processo de licenciamento (CETESB, 1998). Através das entrevistas ficou caracterizada que a situação legal dos empreendimentos localizados nessa sub-bacia junto ao DNPM, não foi regularizada devido às dificuldades envolvidas em tal procedimento.

Um dos portos estudados iniciou sua atividade em 1979 e explora um trecho de 500m do rio, com área total de 7.500m2 e sua produção é de 1.600m3/mês, sendo que o depósito de areia é feito em uma faixa de preservação permanente, autorizada pelo IBAMA. Possui lagoas de decantação para a água, resultante da separação de particulados maiores, não seja lançada diretamente no leito do rio.

Apesar desses cuidados, não há um projeto de recuperação ambiental, que deveria incluir, além dessas lagoas de decantação, um plano de revegetação da área, implantação de uma cortina vegetal para isolar visualmente o impacto ambiental negativo, a proposta de construção de fossas sépticas para os empregados, entre outras irregularidades observadas na época deste estudo.

Nestas mineradoras observou-se a existência ou não de lagoas de decantação, neste último caso a água retorna ao leito do rio através de infiltração na própria planícies; caso esta se encontre saturada, poderá ocorrer o retorno da água carreando os finos, turvando com intensidade o curso de água do rio Corumbataí.

 

Sugestões

Com relação aos resultados obtidos, estão sendo sugeridas algumas medidas mitigadoras, não somente para aqueles empreendimentos já existentes, mas também para outros que ainda deverão se instalar na sub-bacia do rio Corumbataí.

  1. Não efetuar dragagem próximo às margens, evitando desbarrancamentos, contribuindo para conservação da calha atual do rio.
  2. Controlar a vazão de bombeamento, a fim de não levantar as partículas durante a operação de dragagem, evitando-se o aumento da turbidez. Isto se torna possível quando há uma adequação entre a capacidade de sucção das dragas com a quantidade de material por ela levantado.
  3. Não dragar intensamente em um só trecho, para que não ocorra desestabilização de suas margens.
  4. Há necessidade de um plantio mais intenso para a recomposição da mata ciliar.
  5. Há necessidade de tratos culturais como combate as formigas e as plantas invasoras, que deverão ser realizados periodicamente, obedecendo um programa de monitoramento.
  6. Deve-se implantar uma cortina de vegetação para amenizar os impactos visuais causados pelo empreendimento, além de propiciar o desenvolvimento da vegetação no entorno do local.
  7. Recomenda-se no entorno dos locais de estocagem de areia, o plantio de uma fileira de árvores (por exemplo, Acacia mangium) no espaçamento de 2,5m entre as plantas, para a quebra de vento, o que reduziria o carreamento de material particulado.
  8. Recomenda-se a construção de um decantador e/ou lago de decantação para diminuir o impacto de turbidez causado por lançamento direto das impurezas das areias dragadas e peneiradas.
  9. Há necessidade de equipamentos de proteção individual (EPI) para os trabalhadores que utilizam pá carregadeiras e outros equipamentos.
  10. Há necessidade de medidas para evitar a modificação do leito original dos cursos de água.
  11. Devem ser adotadas medidas para contenção de voçorocas
  12. Cada empreendimento deve apresentar uma placa de identificação.
  13. Deve haver estocagem do solo superficial, removido para a implantação do pátio de operação do empreendimento.
  14. Deve-se evitar o lançamento de efluentes sanitários no curso de água ou nas lagoas de decantação.

Quanto ao planejamento ambiental e propostas de gestão integrada deste recurso sugere-se:

- A integração dos pequenos produtores para elaboração de instrumentos para controle ambiental ou para áreas degradadas, visando a minimização dos custos de projetos, além de melhor planejamento para o uso e ocupação do solo municipal ou regional

- A falta de integração entre os órgãos responsáveis pelo setor de mineração, tanto a nível federal como estadual, deve ser eliminada. Busca-se maior eficiência administrativa através da regulamentação da Lei Tripoli, que institui e implanta o SEAQUA – Sistema Estadual de Administração da Qualidade Ambiental – no estado de São Paulo.

- Há necessidade de maior intensificação posterior às concessões de licença e dos EIA/RIMAs ou outros instrumentos elaborados pelos empreendedores, a fim de acompanhar todo o processo desde a implantação até o encerramento da atividade de exploração, culminando com a recuperação ambiental.

- Maior rigor na cumprimento da lei que trata da recuperação de matas ciliares e recomposição da vegetação nativa da região, para proporcionar a conservação dos mananciais de abastecimento de água e da biodiversidade.

 

Agradecimentos

Agradecemos aos membros professores doutores da Comissão Examinadora da Atividade Complementar "Estudos de Casos em Gestão Integrada de Recursos", do Curso de Pós Graduação "Conservação e Manejo de Recursos", do Centro de Estudos Ambientais da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Rio Claro, SP: Celina Foresti, Clóvis José, Flávio Henrique Mingante Schlittler, Jairo Roberto Jimenes Rueda, José Luiz Timoni, Maria Christina de Melo Amorozo e Nivar Gobbi.

 

Referências Bibliográficas

BACCI, D.C. Extração de areia na bacia do rio Corumbataí (SP). Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP, Rio Claro. 1994 (Dissertação de Mestrado em Geociências e Meio Ambiente).

CETESB – 1998 – Relatório informativo. Regional de Piracicaba, SP.

MACHADO, P. ª L. Direito Ambiental Brasileiro. 7a . Ed. Malheiros Editores, São Paulo, SP. 1998.

PINHEIRO, T. T. Necessidades e importância dos agregados para a indústria da construção civil no Brasil. In: Seminário Internacional sobre Mineração de Áreas Urbanas, 1989. São Paulo. Anais... São Paulo, Ministério da Infra-Estrutura, DNPM, Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento do Estado de São Paulo, Pró-Minério. 1989, p-61-70.

ZAINE, M. F. & PERINOTTO, J. A. J. Patrimônios naturais e história geológica da região de Rio Claro, SP. Câmara Municipal de Rio Claro, Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro. 1996.