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I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO URBANO-AMBIENTAL: PERSPECTIVAS PARA O USO DA TERRA NO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS.

 

Júlio Konrath*

* Pós-Graduação em Ecologia /Universidade de São Paulo - USP

Endereço: Rua São Pedro, 1240/406, Cep: 93010-260 - São Leopoldo/RS

 

Figura 01. Mapa de uso da terra em áreas naturais remanescentes em Porto Alegre/RS. (MARTIN, et alii, 1994 - modificado).

INTRODUÇÃO

Tradicionalmente os trabalhos de ecologia da paisagem na área de planejamento ambiental, tem sido feitos com o objetivo de fornecer susbsídios técnicos e científicos para a conservação e gestão ambiental de hábitats naturais em áreas protegidas ou em regiões tipicamente rurais de ocupação do território. Apenas uma parte muito pequena dos trabalhos de ecologia da paisagem nessa área, tem sido feitos em áreas naturais não protegidas. Do mesmo modo, são extremamente escassos os trabalhos de ecologia da paisagem feitos em regiões de ocupação não exclusivamente rurais, que constitui a parcela onde tem sido verificados o maior crescimento e expansão de área ocupada atualmente, devido ao intenso desenvolvimento urbano-industrial do território.

Uma vez que a face do Planeta no século XXI será a de um mundo crescentemente urbano, é necessário conhecer o modo pelo qual os ecossistemas e/ou organismos biológicos remanescentes na paisagem contemporânea, se comportam no espaço e no tempo frente à essas mudanças em larga escala induzidas pelo homem.

 

JUSTIFICATIVA

Porto Alegre apresenta uma taxa de crescimento anual estimada de apenas 1,06 %. Contudo, o município possui 301 vilas irregulares, 173 dessas em situação de risco geológico e outros 363 loteamentos em situação irregular. Condição essa comum à demais capitais brasileiras, onde déficit habitacional constitui um dos maiores problemas à gestão do território. Por outro lado, é uma das poucas capitais brasileiras que atualmente possui área rural com produção agrícola, equivalente a cerca de 0,5 % do PIB.

A organização do território municipal em Porto Alegre vai muito além da organização espacial e administrativa tradicional, constituíndo-se por micro-regiões de planejamento formadas por um conjunto de bairros, vilas e assentamentos com características socioeconômicas homogêneas, com poder deliberativo sobre as demandas sociais do Orçamento Participativo do Município, instituídas pelo governo municipal do Partido dos Trabalhadores. Assim como, por macrozonas de desenvolvimento urbano, formadas por espaços públicos com diferentes padrões de ocupação e características paisagísticas, ambientais e sócio-culturais peculiares, instituídas pelo II Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano-Ambiental de Porto Alegre - II PDDUA (HICKEL, et alii, 1998).

A micro-região Extremo-Sul é a maior de todas as microrregiões de Porto Alegre, ocupando uma superfície aproximada de 105,34 Km2, assim como é a menos densamente ocupada, possuindo uma população de 23.748 mil habitantes, equivalente a uma densidade populacional de 225,44 hab/Km2. Em função das características de ocupação humana e da presença de hábitats naturais remanescentes, essa região foi definida como zona de ocupação rarefeita do município, ou zona "rur-urbana", pelo II PDDUA (PORTO ALEGRE, 1998).

As áreas naturais mais conservadas atualmente, encontram-se na região do extremo sul do município, justamente dentro da zona definida recentemente pelo II PDDUA, como de ocupação rarefeita, cujos objetivos se destinam exclusivamente à proteção da qualidade ambiental e promoção da qualidade de vida (PORTO ALEGRE, 1998).

As características peculiares do sistema natural e do sistema construído em Porto Alegre, constituem uma oportunidade única para estudar o modo pelo qual os ecossistemas e/ou organismos biológicos remanescentes, se comportam no espaço ou no tempo e se interrelacionam com os demais componentes da paisagem "rur-urbana" contemporânea. A ecologia da paisagem tem uma importante contribuição a dar nesse sentido, i. é como instrumento de monitoramento da qualidade ambiental e planejamento urbano-ambiental do território.

 

OBJETIVOS

Este trabalho de pesquisa visa contribuir, juntamente com os demais tópicos de estudo em preparação, para apontar perspectivas de abordagem aos problemas de planejamento da ocupação da terra no município de Porto Alegre/RS, tais como a demanda de proteção da qualidade ambiental do território, definida como estratégia de desenvolvimento urbano-ambiental para a região, com base na utilização de conceitos e métodos de pesquisa em ecologia da paisagem. Para tanto, os objetivos específicos deste trabalho são os seguintes:

- Avaliação os parâmetros da estrutura espacial da paisagem das áreas naturais remanescentes localizados na região extremo-sul do município de Porto Alegre;

- Levantamento das características fisionômico-estruturais de um um determinado número de fragmentos florestais remanescentes;

- Análise dos resultados obtidos em conjunto com o gradiente de preservação dessas áreas naturais remanescentes;

 

MATERIAL E MÉTODOS

ÁREA DE ESTUDO

O município de Porto Alegre, sede da capital do estado do Rio Grande do Sul, está localizada a 30o 01'59" S de latitude e 51o13'48"W de longitude, a 4 metros de altitude acima do nível do mar. O clima da região é do tipo subtropical úmido, com uma temperatura média anual de 19,4 oC e precipitação anual média de 1.324 mm. A superfície total do município é de 476,30 km2, a população total é 1.286.251 habitantes.

Os principais elementos fisionômicos que caracterizam a paisagem portoalegrense constituem-se de um complexo de restingas, banhados, morros e lagoas. Solos podzólicos e litólicos associados encontram-se comumente nas encostas de morros e coxilhas, enquanto planossolos e solos glei associados, encontram-se nas áreas planas de terraços lacustres e fluviais, sujeitas a pequenas variações de relevo e condições de drenagem (MOURA, S. & RUEDA, R. J. R., 1998). Foram diagnosticados vinte e oito unidades formadas por perfis de solo com caraterísticas geotécnicas específicas (BASTOS, C. A. B., VALENTE, A. L. S. & DIAS, 1998), e quatro classes de declividade do terreno: 0 % a 10 % , junto às planícies e terraços fluviais; 10% a 20 % e 20% a 30%, junto às encostas e topos de morros; > 30%, junto à crista de Porto Alegre e ao morros isolados (CHANAN, L. M. C. & FAERTES, R. 1998).

As formações vegetais que ocorrem atualmente no município de Porto Alegre são representadas por campos secos e úmidos, banhados, matas aluviais, matas de restinga, matas de encosta, constituindo um verdadeiro mosaico vegetacional, representativo da maior parte do território do Rio Grande do Sul. Os campos secos e matas são exemplos de áreas naturais, que outrora constituíam unidades paisagísticas definidas por um determinado conjunto de fatores ambientais e características de flora e fauna, podendo ser atualmente consideradas como áreas ecologicamente sensíveis à ocupação, devido à marcantes modificações dessas condições (BRACK et. allli, 1998; PORTO, M L. 1998; PORTO & MENEGAT, 1998).

Os hábitats naturais remanescenntes em Porto Alegre, constituem-se de florestas e campos nativos, localizados principalmente nas elevações que circundam a região central da cidade. Essas áreas naturais ocupam cerca de 24 % (4.500 ha) da área total do município, percebendo-se claramente a existência de um gradiente de preservação dessas áreas, existente em função do nível de impacto ambiental, causado pela ocupação urbana desordenada e pelo uso indevido do solo (MARTIN, et al.1998).

Foram selecionados algumas dessas áreas naturais remanescentes para estudo, localizadas na região extremo sul de Porto Alegre (RS), em vista da sua importância em termos de proporção de cobertura vegetal nativa e da presença de diversidade biológica (Figura 01).

 

PROCEDIMENTOS

As unidades de estudo da paisagem constituem-se nas elevações do relevo com mais de 30 metros de altitude, e foram consideradas como entidades espaciais isoladas ou "ilhas de habitats naturais", imersas na extensa matriz espacial "rur-urbana" constituída pela zona de ocupação rarefeita do município (PORTO ALEGRE, 1998). Os procedimentos utilizados nessa primeira fase de trabalho foram os seguintes:

A) Caracterização da estrutura espacial dos morros, com base no levantamento dos elementos espaciais da paisagem (uso das terras e cobertura vegetal nativa), de acordo com a metodologia de interpretação de fotografias aéreas (MARTIN, et alii, 1994);

B) Geoprocessamento dos elementos espaciais da paisagem, com auxílio do programa IDRISI (Laboratório de Geoprocessamento/UFRGS);

C) Quantificação dos elemantos espaciais da paisagem e cálculo de parâmetros ecológicos da paisagem, com auxílio do programa FRAGSTAT (Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação/USP).

D) Revisão da literatura sobre a vegetação natural e a história de ocupação do território;

Os parâmetros/ínidices da estrutura espacial da paisagem analisados foram os seguintes:

- Porcentagem das classes de uso da terra (Cla%);

- Número de fragmentos da classe analisada (Np);

- Tamanho médio dos fragmentos (Mps);

- Densidade de bordas (Ed);

- Área dos fragmentos da classe analisada (Area);

- Perímetro dos fragmentos da classe analisada (Perim);

RESULTADOS

Serão apresentados apenas resultados parciais sobre a estrutura espacial da paisagem das áreas naturais remanescentes na região extremo-sul de Porto Alegre, obtidos até a fase atual do trabalho. Do mesmo modo, os dados sobre a qualidade ambiental dos remanscentes florestais ainda não estão disponíveis.

De modo geral, as unidades da paisagem analisadas apresentaram fragmentos de mata com áreas reduzidas: 75 % da unidades da paisagem continham fragmentos com área inferior a 100 ha de mata, 50 % das unidades continham fragmentos com 10 a 50 ha de mata e 25 % das unidades continham fragmentos com área inferior a 10 ha (Tabela 1).

As unidades que apresentaram fragmentos florestais remanescentes com maior área de cobertura foram as unidades 01 e 02, que são justamente unidades da paisagem com as maiores área total na região (1.123,6 ha e 1088,7 ha). Devido à grande área total dessas duas unidades da paisagem, a maior classe de uso da terra verificada na região foi a Classe Mata Nativa (1.764,12 ha), seguida da Classe Campo (980,0 ha), da Classe Pomares e Hortas (327,62 ha), e da Classe Área Urbanizada ( 139,70 ha).

O número máximo de fragmentos de mata também foi verificado nas duas maiores unidades da paisagem (33 e 32). Contudo, o número de fragmentos de mata aparentemente não está relacionado com a área da unidade, mas com a história de ocupação. Nota-se, que o número de fragmentos de mata existentes na unidade da paisagem 3 (24), que apresentou a maior área ocupada pela Classe Pomares e Hortas (46,32 %), foi bem maior que na unidade 2 (15), que apresentou a maior área ocupada pela Classe Area Urbanizada (15,88 %).

Apesar do alto percentual de área total ocupada pela Classe Mata na região (53,50 %), o tamanho médio dos fragmentos de mata foi reduzido (Mps: 9,54 ha). Do mesmo modo, a densidade de bordas dos fragmentos de mata parece não estar relacionada com o área das unidades da paisagem. Verifica-se que as unidades da paisagem 10, 11 e 12, onde foram encontrados somente as classes naturais de uso da terra (campo e mata), apresentaram valores médios de densidade de borda (Ed: 24,76; 14,69; e 18,06), indicando que embora a paisagem natural da região seja bastante fragmentada, também há um considerável grau de dinamismo natural na paisagem.

Tabela 01. Parâmetros de estrutura espacial da paisagem das áreas naturais remanescentes em PoA.

Unid.

Cla1

(%)

Cla2

(%)

Cla3

(%)

Cla4

(%)

Cla5

(%)

Cla6

(%)

Cla7

(%)

Np

Mps

(ha)

Ed
(m/ha)

Area

florest

(ha)

Perim

(m)

01

2,50

0,31

6,22

1,40

-

1,50

0,84

33

21,2

39,55

699,50

121.750,00

02

2,28

35,58

59,28

1,68

1,08

0,00...

-

32

20,17

36,39

645,40

102.250,00

03

6,81

19,66

56,92

15,88

0,00...

0,00..

-

15

12,53

15,60

188,00

28.450,00

04

46,32

19,81

25,20

7,68

-

-

0,00..

24

3,84

43,70

92,25

38.100,00

05

7,90

33,4

2,80

10,50

-

8,40

37,00

2

1,03

4,21

2,06

1.200,00

06

31,54

13,04

43,14

10,73

-

1,54

-

8

6,56

50,27

52,50

14.450,00

07

45,50

14,94

22,06

7,63

-

9,83

-

5

1,62

20,43

8,12

4.050,00

08

23,60

62,20

10,40

1,50

-

2,30

-

5

1,19

15,22

5,94

3.250,00

09

9,46

25,35

64,19

-

-

0,00...

-

4

5,94

24,66

23,75

5.900,00

10

-

23,02

76,97

-

-

-

-

2

17,75

24,76

35,50

8.550,00

11

-

47,25

52,75

-

-

-

-

4

5,25

14,69

21,00

450,00

12

-

47,24

52,76

-

-

-

-

4

5,25

18,06

21,00

6.400,00

LEGENDA: Unid: Unidades da Paisagem; Cla1- percentual de área da classe: Pomares e hortas; Cla2 - percentual de área da classe: Campo; Cla3 - percentual de área da classe: mata; Cla4; percentual de área da classe: Área urbanizada; Cla5 - percentual de área da classe: Pedreiras; Cla6 - porcentual de área da classe: Solo nú; Cla7 - percentual de área da classe: reflorestamento; Np: Número de fragmentos de mata; Mps: tamanho médio dos fragmentos de mata; Ed: Densidade de bordas; Área florest.: área ocupada pelos fragmentos de mata; Perim: Perímetro dos fragmentos de mata.

 

AGRADECIMENTOS

- Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, pela bolsa de estudo;

- À Prof.a Marisa Bittencourt (Curso de Pós-Graduação em Ecologia Geral, da Universidade de São Paulo - USP) , pela orientação do meu projeto de Doutorado;

- Ao Prof. Henrique Hasenack (Laboratório de Geoprocessamento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS), pelo auxílio com o geoprocessamento das imagens;

- Ao Prof. Jean Paul Metzger (Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação, da Universidade de São Paulo - LEPaC/USP), pelo disponibilização do progama FRAGSTATS;

- Ao Técnico Marcelo (Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação, da Universidade de São Paulo - LEPaC/USP), pelo auxílio com a utilização dos programa de Sistemas de Informação Geográfica;

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASTOS, C. A. B; VALENTE, A. L. S. & DIAS, R. D. 1988. Mapa Geotécnico de Solos. In: MENEGAT, R.; PORTO, M. L.; CARRARO, C.C. & FERNANDES, L. A. D.(oorgs). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre. Ed. Universidade/UFRGS. pg 45.

BRACK, P.; RODRIGUEZ, R. S. & LEITE, S. L. C. 1998. Morro do Osso: um santuário cercado pela cidade. In: MENEGAT, R.; PORTO, M. L.; CARRARO, C.C. & FERNANDES, L. A. D.(oorgs). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre. Ed. Universidade/UFRGS. pg 80.

CHANAN, L. M. C. & FAERTES, R. 1998. Mapa de Declividade. In: MENEGAT, R.; PORTO, M. L.; CARRARO, C.C. & FERNANDES, L. A. D.(oorgs). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre. Ed. Universidade/UFRGS. pg 45.

HICKEL, H. T.; ALBANO, M. T. F.; PAVLICK, I. N. B. & BETTIOL, D. 1998. A organização urbana. In: MENEGAT, R.; PORTO, M. L.; CARRARO, C.C. & FERNANDES, L. A. D.(oorgs). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre. Ed. Universidade/UFRGS. pg 107.

PORTO ALEGRE, 1998. II Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre - PDDUA. Porto Alegre. 2. Ed. Secret. Municip. Planejamento/Pref. Mun. de Porto Alegre. 120 p.

PORTO, M. L. & MENEGAT, R. 1998. Mapa da vegetação natural potencial. In: MENEGAT, R. PORTO, M. L.; CARRARO, C.C. & FERNANDES, L. A. D. (orgs). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre. Ed.Universidade/ UFRGS. pg 51.

MARTIN, E. V.; MEIRA, J. R.; OLIVEIRA, P. L.; LANDAU, C.H.; HAAS, S.; RODRIGUEZ, G.; BECKER, F.; SCHIRMER, C.; FREITAS, A.; KONRATH, J; LEITE, F.; GÜNTZEL, A; TEDESCO, A.; MONDIN, C.; PINHEIRO, AC; MEIRA, J.R.; COPERTINO, M.; BENDATI, M.M.; MARCZWSKI, M. & PROCHNOW, T. 1998. Avaliação dos Morros de Porto Alegre, com base no uso do solo. In: MENEGAT, R.; PORTO, M. L.; CARRARO, C. C.; FERNANDES, L. A. D. Atlas Ambiental de Porto Alegre. Ed. Universidade UFGRS.Univ. Fed. do Rio Grande do Sul. 228 p.