ARTIGOS

I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

ECOLOGIA DA PAISAGEM: UMA RETROSPECTIVA

 

Helmut Troppmair*

* - Prof. Titular de Biogeografia, IGCE, UNESP, Rio Claro

- Dedico esta Retrospectiva ao meu mestre Prof. Dr. phil, Dr. Sc. nat. h.c. Dr. phil.h.c. Carl Troll

 

"Somos a Terra em sua expressão humana. Nós, homens e mulheres, ... somos a água moldada em ondas e espumas. Filhos da Terra, trazemos em nosso corpo a mesma proporção de água e sal encontrada neste planeta. Da natureza emergimos, e graças a ela, nutrimos a nossa vida e trazemos em nosso corpo matas em forma de pêlos, superfícies lisas e ásperas, reentrâncias e protuberâncias, fendas, canais, fontes e cavernas".

Frei Betto in o Estado de S. Paulo

02.07.99

 

Foi o Biogeógrafo alemão Carl Troll (1899/1975) que, na década de 30, observou junto a sua cidade natal, Munique, na Bavária, que quatro áreas relativamente pequenas apresentavam uma paisagem com cobertura vegetal totalmente diferente daquela que ocorria em toda a região. Aninhadas entre florestas de carvalhos sob clima temperado úmido, estas áreas, as "Heiden", apresentavam uma vegetação xerofítica formando importante e marcante biocenose (BECK, 1973).

Troll fez a pergunta: Por que a ocorrência de xerófitos em clima temperado úmido? Pergunta esta que, até aquela data, não tinha sido formulada e muito menos respondida por botânicos ou geógrafos.

Realizando pesquisas geomorfológicas e pedológicas, Troll verificou que as áreas em questão eram cones de dejeção com profundas camadas de material glacial - morainas, trazido pelos rios torrenciais formados pelo degelo, na Primavera. Posteriormente, estes sedimentos glaciais pedregosos, localizados sempre no fim de um vale e no sopé de serras, foram cobertos por delgadas camadas de solo, insuficientes para reter, devido à intensa percolação, água por muito tempo. Originaram-se, assim, espaços secos ocupados pela vegetação xerofítica, mostrando a estreita correlação entre vegetação e solo (ou meio ambiente).

Foi quando Troll afirmou "o que ocorre aqui na minha pátria dever ocorrer também em outras áreas do mundo (TROLL, 1968).

Viajando e realizando pesquisas na América do Sul (Andes), África (da Eritreia à África do Sul) e na Ásia (Tibete encostas do Himalaia) viu suas teorias confirmadas. E por isso afirma: "Toda biocenose está vinculada a condições ambientais bem características que dão origem a um tipo de paisagem"... e "toda biocenose bem característica e marcante é um sistema ecológico onde clima, solo, água, plantas e animais são funcionalmente interligados formando um sistema maravilhosamente integrado" (TROLL, 1939).

O que Troll tinha observado no campo, passou a analisar em fotografia aérea (1928/29) que, na época, era novidade e representava uma nova tecnologia de pesquisa. Passou a praticar a "foto-interpretação" e mostrou, entre outras, as relações existentes entre as propriedades físico-químicas da água do mar e a ocorrência de diferentes tipos de mangue, as pequenas elevações em áreas de savana e a ocorrências de murunduns de saúvas e térmitas, os rios brancos e negros com propriedades diferentes de qualidade de água, que facilitam ou dificultam a ocorrência de doenças como a malária nas populações ribeirinhas (TROLL, 1968).

Amadurecidos estes conhecimentos, Troll os apresentou em 1937, na "Gesellschaft fuer Erdkunde", e os resultados de suas pesquisas obtiveram grande repercussão e aceitação por parte de geógrafos, geólogos, silvicultores, hidrólogos e arqueólogos.

Foi em 1938 que publicou o trabalho "Fotointerpretação e Pesquisa Ecológica" no qual destaca que a fotointerpretação ecológica seria a técnica do futuro nas pesquisas de arqueologia, geologia, geomorfologia, prospecção, limnologia, oceanografia, fitogeografia, silvicultura, urbanização e planejamento.

Foi nesta publicação de 1938 que Troll empregou pela primeira vez o termo "Landschaftsoekologie", a "Ecologia da Paisagem".

Um ano depois, 1939, pouco antes de irromper a 2ª. Guerra Mundial, Tansley cria o termo "Ecossistema" que muito tem em comum com a Ecologia da Paisagem. Tansley, porém, conforme ressalta Troll, não associa este termo à espacialidade (visão horizontal) e à possibilidade de representação cartográfica e sim dá a esta palavra um sentido "econômico através do balanço do fluxo de energia e matéria (visão vertical).

Após a 2ª. Guerra Mundial, em 1949, na União Soviética, Sukatchev cria e utiliza outro termo: "Geobiocenose", palavra de conteúdo geográfico e com sentido idêntico ao da "Ecologia da Paisagem".

Para evitar confusão na interpretação da terminologia, Troll afirma: "para uma compreensão internacional emprego o termo "Geoecologia", mas ambos, "Ecologia da Paisagem" e "Geoecologia", têm, em sentido amplo, o mesmo significado ou seja: a atuação e integração simultânea da atmosfera, litosfera, hidrosfera e biosfera (TROLL, 1938).

Face aos inúmeros e complexos problemas ambientais da atualidade os dois termos "Ecologia" e "Paisagem" estão em evidência. Conforme previsto na década de trinta, muitas ciências as utilizam hoje em suas pesquisas. A "Ecologia da Paisagem" passa a ser uma nova ciência independente e interdisciplinar.

Neste campo científico, entre muitas, duas correntes se destacam e se opõem.

Ao utilizar o termo "Ecologia da Paisagem", Troll que também tinha formação de biólogo, o fez no sentido empregado pela Biologia, ou seja, o estudo das relações entre a Vida e Meio Ambiente.

Uma segunda corrente empregou o termo numa perspectiva econômica (como Tansley tinha usado o Ecossistema), ou seja, a visão vertical, o balanço do fluxo de energia e matéria. Esta segunda visão fere e muda totalmente o sentido a palavra "Ecologia" pois, Haeckel (1866), criador da "Ecologia", em seu trabalho "Morfologia Geral dos Organismos" definiu esta ciência como "estudo da fisionomia das formas de vida dos organismos e suas relações com o meio ambiente". Haeckel se complementa ao afirmar: "para as condições de existência dos organismos incluímos também todas as relações de convívio entre os seres vivos" (SCHMITHUESEN, 1976).

Face às diferentes correntes e enfoques da "Ecologia da Paisagem", Schmithuesen (1976) tenta restabelecer o sentido original - o das relações - dados por Haeckel e Troll ao afirmar: o termo Ecologia da Paisagem tem levado a dúvidas e várias interpretações e consequentemente a diferentes linhas de pesquisa, motivo por que sugiro que devemos evitar o uso deste termo e substituí-lo por "Oekologische Landschaftsforschung" ou seja "Pesquisa da Paisagem com Enfoque Ecológico".

O mesmo autor analisa e caracteriza o que deve ser pesquisado numa "Paisagem Natural" em que não houve interferência antrópica e que hoje praticamente não existe mais. A problemática ecológica refere-se, neste caso, ao estudo das relações entre flora e fauna, suas formas de vida, a estrutura e dinâmica das biocenoses e bioformações, sucessões, gênese e biotopos.

Numa "Paisagem Cultural", além dos elementos abióticos e bióticos (flora e fauna), destaca-se a interferência do homem que, através da noosfera, projeta, executa e organiza o espaço obtendo resultados que o afetam de forma positiva ou negativa conforme variam as escalas espaciais, a intensidade e a forma de intervenção. A paisagem cultural compreende a paisagem agrária e a urbana com suas condições ecológicas e sociais específicas que nos conduzem à complexa Ecologia Humana, à Ecologia Social, à Ecologia Profunda ou Mental até à Ecologia Integral ou Holística.

Devemos ter em mente, seja qual for a paisagem, que as interrelações ecológicas formam um sistema que sempre inclui a esfera biótica, flora, fauna, e o próprio homem.

Dentro da perspectiva das relações ambientais, sociais e a Organização do Espaço, pesquisas desenvolvem-se na Alemanha (Leser, Lauer, Mueller, Schmithuesen), na antiga União Soviética (Sotchava, Sukachev) França (Tricard, Sorre) para citar alguns nomes. Também no Brasil temos centros e pesquisadores que trabalham na linha da Ecologia da Paisagem cito: Universidade Estadual Paulista: TROPPMAIR, H.; CAMARGO, J.C.G.; VIADANA, A .G.; SANTOS, M.J.Z.; MACHADO, L.P.; CORTEZ, A .T.C.; PICCOLLO, P.; SCHLITTLER, F.; PASSOS, M.M.; OLIVEIRA, L.; FORESTI,C.; PROCHNOW, M.; Na Universidade de São Paulo: AB’SABER, A .N.; MONTEIRO, C.A . F.; CAVALHEIRO, F.; CRUZ, O .; Universidade Federal de Uberlândia: SCHNEIDER, M.; SIEGLER, I.; COLESANTI, MT.M.; GROSSI, S.R.; FELTRAN, A .; Universidade Federal do Ceará: SILVA, E.V.; Universidade Federal de Pernambuco: CORREIA, M.; Universidade Federal de Sergipe: VANDERLEY, L.L.; Universidade Federal de Santa Catarina: VEADO, R.; DALLACORTE, I.B.

Ressalto que estes nomes não esgotam o universo de pesquisadores; citei aqueles com que tenho mais contato.

Dada a importância dos estudos e conhecimentos ambientais espero que um dia, assim como hoje acontece em muitas escolas secundárias da Alemanha , a disciplina "Landschaftsoekologie, "a Ecologia da Paisagem", se torne matéria obrigatória, pois trata-se de: "uma tentativa de compreensão global dos problemas e processos ambientais com o objetivo de manter e/ou restabelecer o equilíbrio dos ecossistemas, visando o aproveitamento racional da natureza pelo homem" (LESER, 1976; HENDINGER, 1977). Esta disciplina, quando bem ministrada, forma cidadãos conscientes, ou seja, desenvolve a cidadania.

Não resta dúvida que o mundo abiótico, biótico e noótico formam um sistema complexo, um Sistema Geográfico ou Geossistema objeto de pesquisa de várias ciências (TROPPMAIR, 2000). Ecologia da Paisagem, Geoecologia, Pesquisa da Paisagem com Enfoque Ecológico ou Geobiocenoses são termos diferentes, porém visam o mesmo fim: entender o funcionamento e as relações da natureza para planejarmos a preservação da imensa biodiversidade e geodiversidade gerada em milhões de anos, a sobrevivência da própria espécie humana e o equilíbrio da Gaia, ser dinâmico e uno pertencente ao imenso universo hoje conhecido.

 

Bibliografia:

Academia de Ciências do Estado de São Paulo; Glossário de Ecologia, São Paulo, 1987.

BECK, Hanno. Geographie. Ed. Alber, Muenchen, 1973.

HENDINGER, Helmtraud. Landschaftsoekologie. Ed. Westermann, Braunschweig, 1972.

LESER, Hartmut. Landschaftsoekologie. Ed. Ulmer, Sutttgart, 1976.

SCHMITHUESEN, Josef. Allgemeine Geosynergetik. Ed. Gruyter, Berlin, 1976.

SUKACHEV, V. N. Ueber dasVerhaeltnis der Begriffe Geographische Landschaft und Biogeozoenose, Voprosy Geografii, 16, Moscou, 1949.

TROLL, Carl; Luftbildplan und oekologische Bodenforschung, in: Zs.d. Ges. F. Erdk, Berlin, 1938.

TROLL, Carl; Abschiedsvorlesung, Bonn, 1968.

TROLL, Carl; Landschaftsoekologie (Geoecology)und Biocoenologie. Eine terminologische Sutdie. In: Rev.de Géol., Géoph. et Géogr., 14, 1970.

TROPPMAIR, Helmut. Biogeografia e Meio Ambiente, Ed. do Autor, Rio Claro, 1995.

TROPPMAIR, Helmut. Geossistemas e Geossistemas Paulistas, IGCE, UNESP, Rio Claro, 2000.