ARTIGOS

I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

DISPONIBILIDADE DE ESPAÇOS LIVRES DE USO PÚBLICO EM RIBEIRÃO PRETO/SP

 

Perci Guzzo1, Felisberto Cavalheiro2

1Ecólogo, Mestre em Geociências. Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto/SP

2Agrônomo, Doutor em Paisagismo. Depto. de Geografia (FFLCH) Universidade de São Paulo

 

Introdução

Os espaços livres de construção desempenham funções extremamente importantes em uma cidade. Pode-se considerar três principais serventias: ecológica, estética e social. As contribuições ecológicas ocorrem na medida em que os elementos naturais que compõem esses espaços minimizam os impactos decorrentes do processo de urbanização e industrialização. Neste sentido, ressalta-se o papel da vegetação, que exerce influência positiva para a melhoria do clima urbano, na purificação e refrigeração do ar, no abrigo à fauna e no favorecimento de novos habitats para maior variedade de espécies de animais, na manutenção das propriedades de permeabilidade e fertilidade do solo, no amortecimento de ruídos, entre outros. A função estética se pauta principalmente no papel de integração entre os espaços construídos e os destinados à circulação, e também na diversificação dos elementos que compõem a paisagem urbana. A função social está diretamente relacionada à oferta de espaços para o lazer da população. Destes, os espaços livres de uso público (praças, parques e cemitérios) merecem especial atenção, uma vez que possibilitam o acesso sem restrições a qualquer pessoa. A garantia de uso e conservação dessas áreas são direito e dever do poder público e da coletividade.

Considerando essas razões, tem aumentado a preocupação com relação à disponibilidade de espaços livres públicos nas grandes cidades. No entanto, há carência de informações e dados sobre quantos espaços existem, onde estão localizados e quais são suas condições de uso para a população. Acredita-se que somente com informações dessa natureza seja possível iniciar um trabalho de planejamento e monitoramento que considere esses espaços como um sistema dentro da área urbana de um município.

O trabalho apresenta a metodologia empregada e os resultados sobre a disponibilidade de espaços livres de uso público para a cidade de Ribeirão Preto. Trata-se da Dissertação de Mestrado entitulada "Estudo dos espaços livres de uso público da cidade de Ribeirão Preto/SP, com detalhamento da cobertura vegetal e áreas verdes públicas de dois setores urbanos", elaborada pelo primeiro autor e orientada pelo segundo, junto ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro/SP, em 1999.

 

Metodologia

Preliminarmente foram organizadas informações por meio de um banco de dados sobre todos os espaços livres de uso público da cidade. Foram considerados os espaços criados por lei municipal como praças, parques e cemitérios que segundo Gröning, 1976 apud Cavalheiro, 1982, pertencem à tipologia dos espaços livres de construção considerados como essencialmente públicos. As informações inventariadas para cada espaço livre foram: 1) Denominação oficial do logradouro público; 2) Lei e/ou Decreto de criação; 3) Localização por setor urbano e bairro da cidade; 4) Número de referência cadastral de logradouro público junto à Prefeitura Municipal; 5) Informações sobre a situação atual do espaço livre referente à implantação efetiva para uso público e se recebe manutenção periódica; 6) Área em metros quadrados e; 7) Categoria conforme classificação de espaços livres proposta por Jantzen, 1973 apud Cavalheiro & Del Picchia, 1992.

Posteriormente foi organizada uma carta dos espaços livres de uso público da cidade de Ribeirão Preto, utilizando como base o mapa viário geral da cidade e distritos, disponível na escala 1: 12.500. Nesta carta fez-se a hierarquização dos espaços livres encontrados segundo aspectos de tamanho, localização e situação quanto à efetividade de implantação para uso público.

Com os dados de área (m2) sistematizados obteve-se o índice de espaços livres de uso público da cidade. Fez-se a diferenciação entre aqueles espaços que encontram-se efetivamente implantados e que portanto possuem um potencial real de oferecer possibilidades de lazer à população, daqueles que não estão dotados de infra-estrutura para isso ou ainda, daqueles que constituem-se em trevos, rotatórias ou canteiros centrais de avenidas que foram categorizados como verde de acompanhamento viário.

Finalmente, para avaliar a condição de uso público desses espaços, foram realizadas visitas à praças e parques de dois setores urbanos da cidade. Durante as visitas foram obtidas informações sobre infra-estrutura, composição paisagística, uso e manutenção mediante um roteiro de avaliação previamente elaborado. Para complementar tais informações foram entrevistados os usuários desses espaços por meio de um questionário elaborado por Takahashi & Martins, 1990.

 

Resultados e Discussão

A Tabela 1 traz os resultados gerais sobre os espaços livres públicos de Ribeirão Preto. Os dados foram coletados em 1997 e atualizados em 1998 junto a vários órgãos da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.

Tabela 1 - Situação dos Espaços Livres Públicos em Ribeirão Preto quanto a Implantação para Uso Público

 

Efetivamente Implantado

Somente Criado por Lei

Total

Praças Públicas

126 unidades

773.932,00 m2

56 unidades

517.489,16 m2

182 unidades

1.291.421,16 m2

Parques Urbanos

02 unidades

263.365,25 m2

09 unidades

755.750,71 m2

11 unidades

1.019.115,96 m2

Cemitérios

02 unidades

230.621,34 m2

-

-

02 unidades

230.621,34 m2

Total

130 unidades

1.267.918,59 m2

65 unidades

1.273.239,87 m2

195 unidades

2.541.158,46 m2

Organização: Perci Guzzo, 2000.

Os espaços livres acima relacionados são os que podemos denominar como espaços livres públicos formais da cidade, uma vez que são denominados por lei e/ou decreto municipal. Representam apenas 2,3% da área urbanizada da cidade que soma 110,3 Km2 3 . Deve-se levar em conta que existem outros espaços, que embora não sejam praças ou parques, que possuem serventia como área de lazer para a população e que exercem contribuições para a melhoria do ambiente da cidade. É o caso, por exemplo, dos campos de futebol implantados por iniciativa da própria população, em áreas públicas ou particulares ainda não edificadas. No entanto, pelo motivo desses espaços poderem ter sua destinação modificada por algum instrumento legal ou administrativo municipal, não foram considerados no presente trabalho.

Percebe-se na tabela acima que a maioria dos espaços livres (66,67%) estão implantados, mas considerando em área (metros quadrados), correspondem a 49,9%. Descobriu-se que muitos espaços livres de grandes dimensões ainda não foram implantados. É o caso de muitas praças públicas com tamanho superior a 15.000 m2 e nove parques urbanos. Estes, embora tenham sido criados por lei, o que assegura no papel a destinação dessas áreas para constituir-se em parques, a não implantação, além de criar uma enorme expectativa entre a população, permanecem na maioria das vezes, abandonados, transformando-se nos locais mais inseguros da cidade. O Parque Ecológico Maurílio Biaggi, localizado em área central da cidade representa um típico exemplo dessa situação. Criado em 1982, até hoje não foi implantado efetivamente.

Os cemitérios, embora sejam espaços de acesso livre à população, dependendo da forma como estão estruturados fisicamente, oferecem oportunidades bastante restritas para o lazer. Neste sentido é importante que seja diferenciado e computado como uma categoria a parte. Também é importante salientar que sua contribuição ecológica para o ambiente da cidade é restrita pois o solo na maioria das vezes está impermeabilizado pela construção dos túmulos e a vegetação existente apresenta de pouca densidade e diversidade.

O índice obtido de espaços livres de uso público para a cidade de Ribeirão Preto foi 2,38 m2/hab. Deste total, 0,51 m2/hab são provenientes dos dois cemitérios públicos municipais. Portanto, os espaços livres de uso público essencialmente disponíveis para o lazer da população (praças e parques públicos), correspondem a 1,87 m2/hab. Se considerarmos a população do censo demográfico de 1996, o índice estimado de espaços livres de uso público é 4,92 m2/hab. Neste são considerados todas aquelas áreas públicas denominadas por lei como praça, parque e cemitério, somando as que se encontram efetivamente implantadas e as que ainda não foram efetivamente implantadas. Considerando que o número de habitantes muda e que outros espaços livres públicos podem vir a ser implementados, os resultados apresentados devem ser encarados levando-se em conta o momento de obtenção dos mesmos.

A Tabela 2 mostra índices de espaços livres para algumas cidades brasileiras.

Tabela 2 - Índices de espaços livres públicos obtidos para algumas cidades brasileiras

Cidade

Autor

ano da Publicação

Terminologia empregada

Índice

São J. dos Campos - SP

Escada

1987

Espaços Livres Urbanos

1,89 m2/hab

Bauru – SP

Goya

1990

Áreas Públicas Livres de Edificação

1,94 m2/hab

Porto Alegre – RS

Sanchotene

1990

Áreas Verdes Públicas

3,08 m2/hab

Maringá – PR

Milano

1992

Áreas Verdes Públicas

6,70 m2/hab

São Carlos – SP

Henke-Oliveira

1996

Áreas Verdes Coletivas

2,65 m2/hab

Santa Cecília – Distrito de São Paulo

Nucci

1996

Espaços Livres de Uso Público

0,92 m2/hab

Porto Alegre - RS

Prefeitura Municipal

1998

Área verde para lazer público

13,62 m2/hab

Ribeirão Preto – SP

Guzzo & Cavalheiro

1998

Espaços Livres de Uso Público

2,38 m2/hab

Organização: Perci Guzzo, 1998.

Finalmente, a avaliação das condições de uso público dos espaços livres é uma importante fase para obtenção do diagnóstico dessas áreas. O reconhecimento do potencial real de lazer somente é obtido com uma avaliação de natureza qualitativa. Então, além do espaço livre ter sua destinação garantida por instrumento legal e estar efetivamente implantado, faz-se necessário ainda que ele receba manutenção periódica, seja um local seguro para seus usuários, ofereça equipamentos de lazer e de infra-estrutura necessários e ainda, que conte com elementos naturais os mais diversificados e abundantes possíveis. A avaliação feita nos espaços livres de uso público de dois setores urbanos de Ribeirão Preto, mostrou que apenas as praças recentemente reformadas do Setor Central da cidade apresentam condições satisfatórias para permitir o lazer público. Neste sentido chama-se a atenção dos órgãos públicos municipais responsáveis pelos aspectos de normatização, planejamento, gerenciamento, manutenção e conservação dessas áreas para que tomem medidas administrativas no sentido de reverter esta situação. A sociedade que usufrui desses espaços poderão ter importante função na adequação dessas áreas, se organizarem-se e tomarem medidas em prol da conservação das áreas verdes públicas da cidade.

 

Considerações Finais

As áreas verdes públicas e a arborização das cidades são elementos fundamentais na composição da paisagem urbana. Sua quantidade, distribuição e conservação indicam o grau de interesse da comunidade com relação à qualidade do ambiente em que vivem e em última análise de sua relação com a natureza. A carência e até mesmo o abandono desses espaços e do verde na cidade expressam a ausência de política pública com o compromisso de investir e melhorar a situação do ambiente urbano.

Por trata-se de informações obtidas baseando-se em critérios científicos, o presente trabalho poderá ser utilizado como subsídio para uma política pública municipal direcionada a aumentar, manter, monitorar e conservar espaços livres públicos e o verde urbano.

Os resultados que foram apresentados podem vir a ser utilizados como uma ferramenta de cobrança da sociedade civil para com o poder público local.

 

Referências Bibliográficas

CAVALHEIRO, F.O planejamento de espaços livres: o caso de São Paulo. In: CONGRESSO NACIONAL SOBRE ESSÊNCIAS NATIVAS, 1982, Campos do Jordão/SP. Anais...São Paulo: Silvicultura em São Paulo, 1982. P. 1819-1830.

CAVALHEIRO, F., DEL PICCHIA, P. C. D. Áreas verdes: conceitos, objetivos e diretrizes para o planejamento. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE ARBORIZAÇÃO URBANA, 4, 1992, Vitória/ES. Anais...vol.I. Vitória: 1992.p.29-38.

ESCADA. M. I. S. Caracterização dos espaços livres de uso público de São José dos Campos Rio Claro, 1987. 45 p. (Monografia apresentada ao Instituto de Biociências, UNESP, Campus de Rio Claro, para obtenção do título de bacharel em Ecologia).

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GUZZO, P. Estudo dos espaços livres de uso público da cidade de Ribeirão Preto/SP, com detalhamento da cobertura vegetal e áreas verdes públicas de dois setores urbanos. Rio Claro, 1999. 125 p. Dissertação (Mestrado em Geociências) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro/SP.

HENKE-OLIVEIRA, C. Planejamento ambiental na cidade de São Carlos/SP com ênfase nas áreas públicas e áreas verdes: diagnóstico e propostas. São Carlos, 1996. 181p. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais) – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de SãoCarlos.

MILANO, M. S. A cidade, os espaços abertos e a vegetação. In:CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE ARBORIZAÇÃO URBANA, 1, 1992, Vitória/ES. Anais...Vol.I. Vitória: 1992. p. 3-14.

NUCCI, J. C., CAVALHEIRO, F. Manchas de verde e qualidade de vida urbana. In: ENCONTRO INTERDISCIPLINAR SOBRE O ESTUDO DA PAISAGEM – PAISAGEM PAISAGENS, 2, 1996, Bauru/SP. Anais... (no prelo).

PORTO ALEGRE. Gaia - Centro de Informação e Educação das Ciências da Terra e do Ambiente. Atlas Ambiental de Porto Alegre. MENEGAT, R. et al. (Coord.). Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998. 228 p.

SANCHOTENE, M. C. C. Situação das áreas verdes e da arborização de Porto Alegre. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE ARBORIZAÇÃO URBANA, 3, 1990, Curitiba/PR. Anais... Curitiba: Impresso na Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná, 1990. p. 34-40.

TAKAHASHI, L. Y., MARTINS, S. S. O perfil dos visitantes de um parque municipal situado no perímetro urbano. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE ARBORIZAÇÃO URBANA, 3, 1990, Curitiba/PR. Anais...Curitiba: Imprensa da Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná, 1990. p.197-210.

 

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3 Segundo levantamento da Secretaria Municipal de Planejamento de Ribeirão Preto, no ano de 1998