ARTIGOS

I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

DIAGNÓSTICO DE DEGRADAÇÃO - UM ESTUDO DE CASO EM ÁREA DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR

 

Maria de Jesus Robim1 ,Isabel F. de Aguiar Mattos1 ,Rui Marconi Pfeifer1 ,Elvira Neves Domingues1 ,Osny Tadeu de Aguiar1 ,Waldir Joel de Andrade1

1 Instituto Florestal, CINP/SMA. geoc@iflorestsp.br. Caixa Postal 1322 - CEP: 01059-970 - São Paulo - Brasil.

 

INTRODUÇÃO

A Trilha do Itapanhau situa-se no Parque Estadual da Serra do Mar (PESMAR)– Núcleo Cubatão, em parte do antigo caminho que liga o planalto (Moji das Cruzes) à baixada (Bertioga). A utilização é feita por grupos de agências de ecoturismo, escolares e visitantes em geral para as atividades de caminhadas, "camping" e piquenique. Impactos provocados pela visitação excessiva e comportamento inadequado dos usuários é a causa da degradação da área através do aceleramento de processos erosivos na trilha.

Devido a crescente demanda, a falta de fiscalização e os sinais visíveis de impacto em diversos trechos da trilha, o Instituto Florestal, em 1997, paralisou as atividades turísticas no local.

Por esses motivos instituiu-se uma comissão, para elaborar avaliação dos danos ambientais provocados pelo uso excessivo da Trilha do Itapanhau e propor medidas de manejo que recuperem e normatizem o fluxo de turismo na área.

 

METODOLOGIA

Caracterização da Área de Estudo

A Trilha do Itapanhau, situa-se entre as coordenadas geográficas de 23º40' e 23°45' Lat. S. e, 46º00' e 46º05' Long. O. Grw. Atravessando o Parque Estadual da Serra do Mar - Núcleo Cubatão, faz a ligação entre o planalto paulistano e a província costeira (Figura 1), no Litoral Centro de São Paulo, nos municípios de Bertioga e Biritiba Mirim. O acesso é feito pela rodovia Moji-Bertioga (SP-98) e possui uma extensão de aproximadamente 11 Km.

Segundo a classificação de köppen, o clima da região é Af (tropical úmido). A média anual da precipitação varia entre 1600-2000mm, sendo a média de precipitação do mês mais seco superior a 60mm e não havendo deficiência hídrica. As médias de temperatura dos meses mais quentes e frios são de 22º e 18º C, respectivamente (Ventura et al. 1965/66).

A área localiza-se no setor centro da Serra do Mar paulista, compreendendo o espaço fisiográfico e ecológico das escarpas florestadas da zona tropical Atlântica. Estas vertentes íngremes, drenadas diretamente para o Oceano são altamente sensíveis com acelerado dinamismo de evolução dos processos naturais. Do ponto de vista desta fragilidade ambiental, as maiores evidências são constatadas na acentuada erosão remontante e diversos tipos de processos de movimentos de massa, condicionados a um relevo de blocos falhados, com estrutura geológica complexa.

A Serra do Mar teve sua origem ligada a processos estruturais ativos durante o Cretáceo, compondo-se por um embasamento cristalino Pré-Devoniano (Rideg, 1974), constituído quase integralmente por rochas metamórficas, que se dispõe em camadas dobradas, preferencialmente na direção NE-SW e falhamentos regionais no mesmo sentido. É caracterizada, também, por uma malha de falhas menores e fraturas que direcionam uma grande quantidade de vales encaixados, degraus nas vertentes, rupturas de nível e desníveis em paredões rochosos e cachoeiras ao longo dos maiores rios que cortam estas escarpas. Nos patamares, nos sopés das vertentes e nas planícies fluviais ocorrem formações cenozóicas compostas por materiais detríticos predominantemente heterogêneos areno-argilosos, constituídos de matéria orgânica, siltes e argilas à areia grossa, blocos ,e matacões (Domingues, 1983).

Segundo Eiten (1970), os elevados índices pluviométricos, concentrados entre novembro e março, associados aos fortes gradientes do relevo, produzem grandes vazões nos rios e córregos que remodelam profundamente os canais pluviais e fluviais. O regime torrencial caracteriza a acentuação dos processos erosivos, de transporte e de acumulação, provocando uma diversidade muito grande do escoamento pluvial e fluvial.

Rossi e Queiroz Neto (1996) caracterizam a Serra do Mar por apresentar compartimentos distintos, isto é, a planície (ocorrência de sedimentos marinhos e flúvio-marinhos; vegetação herbácea e arbórea; e, solos com hidromorfismo); e a escarpa onde ocorre solos Litólicos fase granito e Cambissolos associados (alta vertente); Podzólicos (média vertente) Podzólicos e Cambissolos associados (baixa vertente). Na planície ocorre areias Quartzozas marinhas ; Podzol; Podzol hidromórfico; solos aluviais, Gleissolos, Cambissolos,; e solos Orgânicos ou Turfáceos.

A área apresenta como cobertura vegetal predominante a Floresta Ombrófila Densa, genericamente denominada de Mata Atlântica. Esta mata recobre as escarpas e os rebordos do Planalto Atlântico, e acompanha a costa do Brasil de norte a sul, podendo estender-se para o interior.

Procedimentos

Metodologicamente adotou-se o caminhamento em toda a trilha com observações, mais especificamente, de 46 pontos demarcados em carta 1:10.000 (Figura 1), bem como a coleta de material botânico com fins taxonômicos, revisão bibliográfica e cartográfica, elaboração de cartas temáticas de apoio e análise e interpretação dos dados obtidos.

 

Figura 1 – Proposta de uso e recuperação da trilha do Itapanhau

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Do ponto de vista do meio hidrobiofísico a trilha compreende dois macrosetores.

O primeiro macrosetor compreende pequeno trecho do rebordo do planalto e os altos e médios compartimentos das escarpas (entre 760 e 210m). Do ponto 0 localizado a 760m de altitude no rebordo do Planalto ao ponto 17, onde situa-se a principal cachoeira 210m de altitude), transpõe-se os primeiros 3 quilômetros da trilha. Neste setor existe um desnível topográfico superior a 550 metros com mudança acentuada dos aspectos topográficos, o que conduz a considera-lo como extremamente frágil.

Quanto aos aspectos do meio biofísico foram verificados diversos graus de perturbação, desde áreas arrasadas, tanto do ponto de vista da vegetação como dos solos (ponto 0), até áreas com pouca alteração.

Geomorfológicamente este macrosetor é caracterizado por vertentes íngremes com declividades variando de 17º a 27º e em sua maior parte superior a 27º, com intensos processos erosivos do tipo escorregamentos, rastejos, blocos pendentes, junto a paredões rochosos, sulcos e ravinas e erosão superficial.

A trilha neste macrosetor expõe por vezes as complexidades estruturais dessas vertentes de blocos falhados, justapostos, constituídos predominantemente por gnaisse e migmatitos cataclásticos (Rideg, 1974).

O segundo macrosetor compreende os compartimentos inferiores das escarpas, os morros isolados e a planície flúvio/marinha. Estas áreas representam o contato entre as altas escarpas e as baixadas fluviais, onde predominam os processos de aporte de sedimentos provenientes das escarpas, com maior dinamismo dos processos de deposição.

Neste macrosetor as declividades situam-se entre 7º e 27º, predominando na trilha declividades entre 7º e 17º.

Nestas áreas ocorrem formações deposicionais como os cones de dejeção associados à morfodinâmica dos canais pluviais e fluviais, compostos por materiais heterogêneos como seixos, cascalhos, blocos e matacões em meio à massa areno-argilosa.

Esses depósitos retratam a dinâmica atual dos processos erosivos principalmente associados aos escoamento torrencial. Os taludes de detritos ocorrem de forma quase contínua nesses baixos compartimentos, formados como conseqüência do acúmulo dos materiais liberados pelos escorregamentos de solo e pela erosão superficial.

Nestes baixos compartimentos ocorrem grande quantidade de nascentes associadas ao processo de infiltração nas médias e altas vertentes e afloramento do lençol freático na zona de contato dos depósitos de talus de detritos e colúvios com o substrato rochoso (Domingues, 1983).

Na área da planície deste macrosetor ocorrem trechos alagados caracterizando maior fragilidade dos solos, quanto à capacidade de suporte.

No trecho entre a cachoeira e a travessia do rio Itapanhau, com exceção do espaço ocupado pela trilha e algumas clareiras, a vegetação encontra-se bem preservada, os indivíduos apresentam-se com diâmetro acima de 15 cm, cujos representantes do dossel são: Cariniana estrellensis, Ocotea dispersa, Cinnamomum glaziovii, Ficus sp e Cryptocaria moscata. No subbosque observa-se: Psychotria nuda, Rheedia gardneriana, Amphirrox longifolia, Miconia cubatenensis, Sorocea bonplandii, Inga marginata, Zingia caulifolia, Mataiba alaegnoides e Brosimum glaziovii.

Ao transpor o rio Itapanhau , entra-se na planície marinha. Neste trecho, a cobertura vegetal natural praticamente não existe, observa-se a presença de gramíneas, frutíferas e indivíduos com características de pionerismo como: Rapanea ferruginea; Rapanea umbellata; Myrcia rostrata e Trema micrantha (indivíduos esparsamente distribuídos).

Pelo exposto, conjugado com a legislação incidente ( Decreto de Criação do PESMAR – Decreto Estadual nº 10.251, de 30 de agosto de 1977, alterado pelo Decreto Estadual nº 13.313 de 06 de março de 1979, Regulamento dos Parques Estaduais Paulistas – Decreto nº 25.341, de 04 de junho de 1986 e Código Florestal Brasileiro – Lei nº 4771, de 15 de setembro de 1965), recomenda-se a permanência do fechamento da trilha no primeiro macrosetor (do Ponto 0 ao 17), referente ao trecho de planalto e escarpas, tendo em vista que os fatores identificados como, a topografia relacionada a fragilidade do relevo (altas declividades e dificuldades de acesso); a susceptibilidade dos solos rasos e processos erosivos; e, a alteração da cobertura vegetal, aliada as altas precipitações, tornam o processo de recuperação muito complexo, oneroso e de difícil solução.

Para o segundo macrosetor (morros baixos e planícies flúvio/marinha), recomenda-se a reabertura deste trecho, desde que se desenvolva um projeto de recuperação da área com revegetação de clareiras e da margem direita do rio, implantação de equipamentos de segurança, colocação de drenos no terreno, bem como a implantação de infra-estrutura que possibilite o desenvolvimento de atividades de educação ambiental junto aos usuários da área.

Deve-se efetuar estudos em escala detalhada e pontuais nos dois macrosetores pois, neste diagnóstico verificou-se que a área ainda não possui estudos específicos para fins de análise e interpretação dos componentes hidrobiofísicos.

A localização da trilha no setor da encosta Atlântica é extremamente problemático. Devido sua aproximação a centros urbanos e a rodovias com tráfego intenso, sobrecarrega os trabalhos de fiscalização e de conservação da área. Deve-se implementar também, o número de funcionários e a melhoria das condições de trabalho para uma fiscalização mais eficiente, manejo e conservação da área.

Os elementos do meio biofísico devem ser considerados limitantes à visitação e importantes para a determinação da capacidade de carga da trilha do Itapanhau.

Após a obtenção dos resultados dos projetos recomendados, deve-se elaborar uma nova avaliação afim de que se possa reestruturar e replanejar o uso da trilha.