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I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

CARACTERIZAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE BIÓTOPOS DA CIDADE DE SÃO CARLOS-SP, COM BASE NO MÉTODO DE AVALIAÇÃO QUALITATIVA MATRICIAL COMO SUBSÍDIO AO PLANEJAMENTO URBANO.

 

Cláudio Jorge CANÇADO; Tárcio Minto FABRÍCIO; Andréia Di FIORI; Samantha de Souza LEITE; Rafael Spadaccia PANHOTA; João Batista de Albuquerque FIGUEIREDO; Maria de Lourdes Carmo FIGUEIREDO; Luciana Costa MOTA & Felisberto CAVALHEIRO.

PPG-ERN/UFScar

Introdução

A cidade de São Carlos, SP caracteriza-se por duas facetas distintas: por um lado, universidades de alto nível e grande produtividade científica; e por outro, problemas urbanos de grande relevância em relação à qualidade de vida da população inserida em sua área. Segundo ANDOLFATO (1995) as áreas urbanas são os biótopos mais alteradas ambientalmente, onde a ação antrópica intervêm de forma drástica e extremamente rápida, alterando os fatores bióticos e abióticos. Diante desse quadro, faz-se necessário o planejamento da paisagem do ponto de vista ambiental para subsidiar uma utilização mais correta e sustentável da região e suas riquezas naturais.

Considera-se o biótopo caracterizado como espaço definido no qual vivem, em interação, fauna e flora. Enfatizando a dimensão natural, têm-se uma melhor qualidade ambiental e, consequentemente, maior probabilidade de uma qualidade de vida sustentável ao longo do tempo. É nessa direção e com este propósito que este trabalho procurou avaliar a ecologia da paisagem de uma área delimitada pelas Folhas IGC/SEP/ Governo do Estado de São Paulo na escala de 1:10.000 da Cidade de São Carlos e propor sugestões para um melhor uso da mesma.

 

Metodologia

A área de estudo foi caracterizada segundo os critérios:

Fatores relacionados ao Homem:

Uso do solo: adequabilidade, áreas livres e tráfego.

  • adequabilidade: declividade, área asfaltada, condições gerais;
  • áreas livres: distribuição, qualidade e quantidade;
  • tráfego: intensidade, acessibilidade e sinalização.

Condições Sanitárias: esgotamento sanitário, resíduos sólidos (lixo), abastecimento de água e vetores.

  • esgotamento sanitário: quantidade (% da população atendida) e qualidade;
  • resíduos sólidos (lixo): atendimento por coleta e lixo nas ruas;
  • abastecimento de água: atendimento (% da população atendida) e qualidade;
  • vetores: presença em função da disposição do lixo e do esgoto inadequada

Impermeabilização: análise da permeabilidade (%) através da seguinte escala:

  • Impermeabilizado: 81 a 100%
  • Semi-impermeabilizado: 61 a 80%
  • Medianamente impermeabilizado: 41 a 60%
  • Minimamente impermeabilizado: 21 a 40%
  • Pouco ou não impermeabilizado: 0 a 20%

Condições de vida: poluição sonora, do ar, visual e inundação

  • poluição sonora: ruídos relativos a atividades comerciais, boates, tráfego, etc.
  • poluição do ar: poluição relativa a carros, oficinas (tintas), etc.
  • poluição visual: outdoors, placas, resíduos em geral, etc.
  • inundação: impermeabilização e drenagem.

Condições Estéticas: arborização, limpeza, conservação e marcos referenciais.

  • arborização: quantidade, estética e distribuição.
  • limpeza: lixo nas ruas, paredes pixadas, lixões, etc.
  • conservação: casas, arruamento e calçadas.
  • marcos referenciais: igrejas, parques, etc.

 

Fatores relacionados à Natureza

Uso do solo: áreas verdes, arborização, tráfego.

  • áreas verdes: presença de praças, parques e jardins.
  • arborização: quantidade e distribuição.
  • Tráfego: atropelamento, danificação de vegetação e poluição.

Cursos D’água: tamanho, turbidez, encosta, regime.

  1. tamanho: tamanho do curso d’água.
  2. turbidez: relativo a sólidos suspensos na água.
  3. encosta: tratamento da margem e qualidade da margem.
  4. regime: regime do curso d’água- corrente ou dormente.

Impermeabilização

  • Impermeabilizado: 81 a 100%
  • Semi-impermeabilizado: 61 a 80%
  • Medianamente impermeabilizado: 41 a 60%
  • Minimamente impermeabilizado: 21 a 40%
  • Pouco ou não impermeabilizado: 0 a 20%

Fauna e Flora: interação, riqueza, distribuição e exóticas/nativas

  • interação: interação entre fauna e flora.
  • riqueza: quantidade de espécies
  • distribuição:análise da distribuição da fauna e da flora.
  • Exóticas/nativas: relação entre exóticas e nativas.

Após o levantamento feito em campo, classificou-se a área em biótopos, de acordo com a chave de biótopos citada em CADEVAL BEDÊ (1997).

Criação de uma matriz de avaliação dos biótopos

De acordo com os parâmetros apresentados no item anterior, criou-se uma matriz para a análise quantitativa de cada uma das áreas avaliadas (áreas A, B e C) dentro da região de estudo(figura 1). A matriz foi composta por grupos de análise que continham as variáveis consideradas para o mesmo.

 

Figura 1 – Mapa da Área IV dividida em 3 partes (A, B e C)

A cada fator foram dados os seguintes pesos em relação às interações e aos seus impactos relativos

Nota das variáveis: 0 (nenhum ou inexistente), 1 (ótimo ou muito adequado), 2 (bom ou adequado),3 (médio ou regular), 4 (ruim ou pouco adequado), 5 (péssimo ou inadequado).

Pesos relativos às variáveis: Variam de 0 a 1 dependendo da importância de cada variável, sendo que a soma sempre será igual a 1.

Pesos relativos ao grupo (Po):

Fatores relativos ao Homem:

1-Uso do solo = 0,15

2-Condições sanitárias = 0,20

3-Impermeabilidade = 0,20

4-Condições de vida = 0,30

5-Condições estéticas = 0,15

 

Fatores relativos à Natureza

1-Uso do solo = 0,20

2-Cursos d’água = 0,20

3-Impermeabilidade = 0,20

4-Fauna e Flora = 0,40

A matriz foi preenchida por todos os pesquisadores da área em questão (A, B e C), os quais a fizeram segundo o seu entendimento em relação a cada fator e sua interação com a respectiva variável. As notas finais dadas a cada grupo de variáveis relativas ao ser humano e à natureza em cada área foram obtidas pela soma dos valores das variáveis divididos pelo número de pesquisadores (média) e multiplicados pelos seus impactos relativos (indicados em cada variável), obtendo-se:

IQBH ou IQBN = S {(nota final do grupo ) * Po}

Onde: IQBH/IQBN = índice de qualidade do biótopo em relação ao homem e à natureza; Po = peso relativo de cada grupo de variáveis

Para cada área (A, B e C), foram calculados os índices gerais de qualidade de biótopos através da seguinte formulação:

QB área i = S {(IQBHi*Ph)+(IQBNi*Pn)}

Onde: IQB área i = índice de qualidade do biótopo da área i

IQBHi = índice de qualidade do biótopo i em relação ao ser humano

IQBNi= índice de qualidade do biótopo i em relação à natureza; Ph = 0,40 (assumido);

Pn = 0,60 (assumido)

Para o cálculo do IQB geral, IQBN geral e IQBH geral, utilizou-se:

IQB geral = S (IQB área i) / Ni

Onde: IQB área i = índice de qualidade do biótopo da área i; Ni = número de áreas i

IQBN geral = S (IQBN área i) / Ni

Onde: IQBN área i = índice de qualidade do biótopo em relação à natureza da área i;Ni = nº de áreas i

IQBH geral = S (IQBH área i) / Ni

Onde: IQBH área i = índice de qualidade do biótopo em relação ao homem da área i; Ni = nºde áreas i

Resultados

Utilizou-se a chave de classificação dos biótopos adaptada para o Brasil com base em CADEVAL BEDÊ (1997), caracterizando a área como: centros urbanos modernos com predomínio de residências unifamiliares com mais de 80% de impermeabilização, prédios de no máximo seis andares com pouca área verde interna e pequenos estabelecimentos comerciais. Além de áreas verdes (praças) e parques de manejo extensivo; córregos com parte canalizada e parte aterrada com gramado e árvores plantadas; ruas para trânsito de passagem, incluindo arborização e áreas baldias com e sem vegetação.

A área apresenta 64 quarteirões com 62 ruas e avenidas, totalizando 16.760m de extensão. Nesta área estão distribuídas 1514 casas e 20 prédios de no máximo 6 andares e 66 estabelecimentos comerciais. Existem 11 praças e 716 árvores e arbustos, nos espaços públicos e privados, sendo que há, em média, 1 árvore a cada 23m. Foram ainda identificadas 87 espécies vegetais nos espaços privados e 27 espécies em espaços públicos, com predomínio de seis espécies, sendo que apenas duas são nativas.

Os índices de qualidade de biótopos (IQB) encontrados utilizando-se a matriz de avaliação foram : 3,44 para área A, 3,32 para a área B e 3,78 para a área C. O IQB humano geral (área A, B e C) foi 2,38 e o IQB natural geral foi de 4,62, perfazendo um índice geral de 3,51.

 

Discussão e Conclusão

Concluiu-se que a área de estudo é predominantemente residencial, não verticalizada, e com poucas áreas verdes mal manejadas.

Percebe-se que o IQBH, de resultado igual a 2,38, apresentou-se bem melhor que o IQBN (Índice de Qualidade Biótica associada a Natureza ), cujo resultado foi de 4,26, sendo que este fato refletiu-se no resultado final de 3,51. Esses índices demostram que a área estudada proporciona uma boa qualidade de vida para o homem, o mesmo não ocorrendo com a natureza.

Recomenda-se investimentos para ampliação e melhoria de áreas verdes, criação de corredores ambientais que conectem melhor a fauna e a flora, e favoreça recantos que mitiguem problemas como a alteração do micro-clima, a pequena umidade relativa no ar, barulhos excessivos, tráfego inadequado, poluição ambiental, entre outros.

Apresenta-se claramente imprescindível um planejamento da paisagem destacando o aspecto estético (principalmente a arborização, áreas verdes e a criação de áreas de lazer), o aspecto sanitário (principalmente a análise de um tratamento adequado das margens do córrego Tijuco Preto, dos efluentes advindos da urbanização – tratamento dos esgotos e da drenagem existente na área, a qual favorece um escoamento superficial acelerado resultando num fator de risco à inundação e da instalação de lixeiras públicas) e o aspecto do uso do solo (na adoção de arruamentos mais permeáveis, na análise da divisão do lotes - atualmente muito irregulares e uma definição mais clara dos usos permitidos adequando-os aos parâmetros de qualidade ambiental de uma maneira mais ampla).

Segundo LORENZI (1998), das espécies nativas, apenas algumas como ipês, a sibipiruna, o oiti e o coqueiro-jerivá são relativamente plantados em nossas cidades, demonstrando baixa riqueza de espécies. Ainda segundo o mesmo autor, acredita-se que mais de 80% das árvores cultivadas nas ruas das cidades brasileiras são da flora exótica. Sugere-se, então, o incentivo ao cultivo e utilização das espécies da região bioclimática de São Carlos para promover uma maior interação entre a fauna e a flora e favorecer o aumento da biodiversidade da região.

Referências Bibliográficas

ANDOLFATO, S. H. D. A Avaliação da Qualidade Ambiental e de Vida como Subsídio ao Planejamento Urbano do Município de Guarapuava – PR. Dissertação de Mestrado, UFSCar, 1995.

IGC/SEP/Governo do Estado de São Paulo. Base Cartográfica: Cartas da Cidade de São Carlos: Folhas SF-23-Y-A-I-I-NO-B e SF-23-V-C-IV-3-SO-F – escala 1:10.000. Instituto Geológico e Cartográfico do Estado de São Paulo / Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo, 1974.

CABEDAL BEDÊ et al. Manual de mapeamento de biótopos no Brasil: base para um planejamento ambiental eficiente. Belo Horizonte, Fundação Alexander Brandt, 1997. 2 Ed. Rev.

LORENZI, H. Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa, SP: Editora Plantarum, 1998. 2 ed. 2 vol.

REVISTA NATUREZA. Árvores ornamentais. Edição especial da revista Natureza. São Paulo, Editora Europa, 1997.