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O MANEJO COMUNITÁRIO DE ESTOQUES PESQUEIROS NA REGIÃO DE TRÊS MARIAS, MINAS GERAIS.

Serguei Aily Franco de Camargo1, Miguel Petrere Júnior1

1Departamento de Ecologia - Instituto de Biociências - Universidade Estadual Paulista - Rio Claro - SP - Brasil

Mailing address: Departamento de Ecologia - Instituto de Biociências - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP. CP 199. Av. 24-A, n° 1515, Bela Vista. CEP 13506-900. E-mail: safc@claretianas.com.br


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RESUMO

A região de Três Marias, MG, é peculiar em suas práticas de manejo pesqueiro, por apresentar diversidade de ambientes aquáticos, englobando o rio São Francisco e o reservatório da CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais). Esta situação e as tendências administrativas do Estado em implantar um sistema de gestão participativa de recursos naturais, são abordadas neste trabalho que tem como foco os estoques pesqueiros e a pesca interior naquela região, descritos a partir de entrevistas com pescadores profissionais, líderes comunitários, agentes do governo e comerciantes, nas estações de cheia e vazante de 1997.

Palavras-chave: manejo comunitário; estoques pesqueiros; pesca profissional interior; gestão participativa; Minas Gerais; rio São Francisco.


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  • INTRODUÇÃO

Existe no Brasil, uma tendência em se implantar o sistema de gestão participativa para conservação e manejo de recursos naturais. Neste caso, a administração pública passa a coordenar externamente as atividades exercidas, ao nível local, pelas comunidades.

A sociedade e a administração pública começam a interagir no gerenciamento da utilização dos recursos naturais e o manejo comunitário passa a ser a forma local de realização de propostas de co-gerenciamento, que é o sistema contínuo entre dois extremos: o manejo estatal e o comunitário.

Recentemente, as atribuições do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em relação ao setor pesqueiro, foram modificadas pela edição da Medida Provisória n° 1549-35 de 09/10/97 que transfere para o Ministério da Agricultura e do Abastecimento a produção e o fomento da atividade pesqueira.

 

A discussão específica sobre o manejo comunitário de estoques pesqueiros aponta algumas particularidades do sistema, evidenciadas pelos resultados dos trabalhos de campo realizados em Três Marias, MG, mas deve-se atentar para o fato dos modelos de co-gestão e manejo comunitário de estoques pesqueiros serem passíveis de generalizações para aplicação na utilização de outros tipos de recursos, adaptando-se às peculiaridades de cada um.

Neste contexto, o objetivo deste trabalho é verificar a adequação do ordenamento pesqueiro à realidade dos pescadores comerciais, utilizando parâmetros sociais e de ecologia humana, com a finalidade de fornecer subsídios legais pertinentes às metas estatais, de implementação do sistema de co-gestão no setor pesqueiro, numa tentativa de compartilhar as estruturas administrativas a serem utilizadas ao mesmo tempo pelos Ministérios da Agricultura e Abastecimento e do Meio Ambiente.

MATERIAL E MÉTODOS

O reservatório da UHE de Três Marias está localizado no alto São Francisco (18º15 e 19º00'S e 44º18 e 45º29'W) entre as cidades de: Três Marias, Morada Nova de Minas, Paraopeba e Felixlândia. A barragem foi fechada em 1961 e tem uma altura média de 75m. No eixo principal o reservatório tem uma extensão aproximada de 150km. Localiza-se a uma altitude média de 585m, a precipitação pluviométrica média anual da região é de 1.200 a 1.300mm e a temperatura média anual é de 21,9ºC. A represa é caracterizada por apresentar forma drendrítica. Suas águas são provenientes do rio São Francisco e dos seguintes tributários: Indaiá, Paraopeba (que passa na Região Metropolitana de Belo Horizonte), São Vicente, Extrema, Sucuriú, Ribeirão do Boi e Borrachudo. A profundidade do rio São Francisco, na zona de segurança, é 30m. Os solos da região são predominantemente o latossolo vermelho-escuro distrófico a moderado de relevo plano (54.4%). Possuem baixa fertilidade natural, pH ácido e baixos teores de carbono orgânico. A pobreza de nutrientes do reservatório reflete as características dos solos da região e, como conseqüência, apresenta baixa biomassa fitoplanctônica e baixa produção primária (11).

A coleta dos dados socioeconômicos e de pesca foi feita em duas campanhas em 1997. A primeira realizada na estação de cheia e a segunda na vazante. As entrevistas com os pescadores foram feitas com a aplicação de questionários compostos de partes concernentes ao perfil familiar, saneamento básico, nutrição, saúde e pesca; houve a utilização de um roteiro semi-aberto de entrevista, aplicado somente aos líderes comunitários, mas sobre os mesmos assuntos. Nos desembarques observados, as espécies capturadas foram identificadas no local, de acordo com a literatura (22, 20) e informações dos pescadores sobre os nomes vulgares dos peixes.

Na cheia foram entrevistados 6 pescadores e na vazante 11; nestes números de amostragem estão excluídas as entrevistas com líderes comunitários (n=3), agentes do IBAMA/MG (n=3), policiais florestais militares (n=3) e comerciantes de pescado (n=3). Como pode-se observar, durante a vazante a amostragem foi mais abrangente. Realizou-se viagem de barco pelas imediações e os pontos de pesca mais freqüentados foram visitados, havendo a obtenção de dados durante o exercício da atividade pesqueira. Os pescadores abordados foram apenas os profissionais artesanais comerciais. Os clandestinos, apesar de comerciais, não foram entrevistados. É importante notar que a Colônia dos Pescadores de Três Marias possui 2.700 pescadores filiados, mas apenas 160 não estão em débito com as anuidades e possuem dados cadastrais corretos. É estimado que entre clandestinos e profissionais existam cerca de 4.000 pescadores atuando na região, entre o rio e o reservatório.

 

 

A interpretação dos textos legais federais e estaduais foi feita, complementarmente: através dos dados coletados (interpretação sociológica da lei) e da literatura especializada (13, 6, 19, 5, 1). Parâmetros jurídicos doutrinários, pertinentes ao tema, foram escassos na literatura da área e foram encontrados em trabalhos correlatos (18, 12, 16, 4).

 

RESULTADOS

Na região de Três Marias existem, aproximadamente, 4.000 pescadores ativos (comerciais e clandestinos) e a Colônia possui registro de 30 barcos motorizados navegando no rio e/ou reservatório. No "Mercado da Ponte", próximo à barragem, existem 30 comerciantes fixos, que estimam negociar, ao todo, 12.5t de pescado por semana. As principais espécies explotadas na calha do rio, à jusante da barragem são a curimatá Prochilodus affinis e P. marggravii e o dourado Salminus brasiliensis.

A pesca normalmente é praticada em duplas, e os petrechos mais utilizados na calha do rio são a tarrafa, o anzol e a fisga, que é proibida. Existem ainda: (i) A "terrena", que é a pesca realizada com o barco em movimento, enquanto uma linhada é solta; (ii) a "trela", que é um espinhel de dois anzóis por braça.

No reservatório a pesca também é praticada em barcos com duas pessoas, o pescador e seu parceiro. Eles costumam permanecer acampados nas margens e ilhas do reservatório, nos dias úteis. Os conflitos com fazendeiros são comuns, principalmente quando estes proíbem os acampamentos. Os pescadores costumam ter lugares apropriados ou determinados para a pesca, e apresentam comportamentos territorialistas. A Polícia Militar Florestal de Morada Nova de Minas informou que existem 25 pontos de concentração de pescadores no reservatório.

Há três tipos básicos de embarcações motorizadas atuando no reservatório (com motor de popa, de centro ou rabeta) e é comum a utilização de barcos de madeira, entre 8 e 11m de comprimento, com motores de centro para rebocarem canoas menores até os locais de pesca. Os motores de popa são mais raros e sempre equipam barcos de alumínio, mas a maioria dos barcos é de madeira movida a remo, ou com motor rabeta de 3.5 HP.

Os pescadores do reservatório não utilizam tarrafas ou redes de deriva, atuam com redes de espera de nylon (monofilamento: 0.30) ou linha de seda (multifilamento), empregada na época das chuvas e distante das margens. As redes possuem entre 200 e 300m de comprimento e malhas iguais ou superiores a 7,0cm (entre nós opostos). Os anzóis de espera são utilizados para a captura do tucunaré Cichla sp.

Os peixes mais capturados no reservatório são o tucunaré Cichla sp., a curimba Prochilodus affinis e P. marggravii, a traíra Hoplias malabaricus e H. lacerdae, o mandí Pimelodus maculatus e o piau Leporinus elongatus e Schizodon knerii. O preço médio por quilo na compra destas espécies é R$ 1,30 e na venda R$ 1,50. Existem outras espécies menos abundantes, tais como: piranha Pygocentrus piraya e Serrasalmus brandtii, pacamã Lophiosillurus alexandri, corvina Plagioscion sp. Pachyurus francisci e P. squamipinnis, surubim Pseudoplatystoma coruscans e dourado Salminus brasiliensis.

 

 

 

O peixe capturado é eviscerado no próprio reservatório, onde também costuma ser vendido. Outra forma é a entrega direta no mercado. O destino do pescado pode ser o atravessador, o varejo ou a feira. O pescado proveniente do reservatório é considerado de segunda e os desembarques têm diminuído muito. Um intermediário de Morada Nova de Minas, informou que oito anos atrás, comercializava 6t de pescado por semana e que atualmente tem negociado 2t por semana. Em Morada Nova de Minas existem quatro grandes intermediários, que financiam seus fornecedores na prática da atividade. Cada intermediário possui cerca de vinte pescadores-fornecedores. O maior atravessador da cidade estimou negociar 3t de pescado por semana, mas há tendência à queda de movimento a partir de fevereiro, quando o movimento

 

esperado é de 650kg por semana. Os meses de maior produtividade são novembro, dezembro e janeiro. Entretanto a pesca é praticada o ano inteiro e não há defeso. A Polícia Militar Florestal de Morada Nova de Minas informou que houve duas tentativas de implementação de períodos de defeso na pesca do reservatório: em 1988 e 1993.

No reservatório, entre Morada Nova de Minas, Biquinhas e Paineiras existem 200 pescadores profissionais cadastrados. Entre agosto e janeiro os pescadores praticam a pesca do tucunaré, realizada na forma de "batida" no braço do rio Indaiá. Esta forma de pescaria é proibida, mas para a sua prática as redes devem ser mais resistentes. Durante uma noite, um pescador pode chegar a bater 4 ou 5 grotas vizinhas. Neste caso, a renda média mensal estimada por um entrevistado está entre R$ 300,00 e R$ 400,00.

DISCUSSÃO

O manejo comunitário pode ser entendido como aquele exclusivo da comunidade (community-based management), normalmente utilizado quando se descrevem situações tradicionais sem a interferência do Estado. Por outro lado, gestão participativa (ou co-gestão/co-gerenciamento) é a gestão em parceria, consistindo na interface administrativa entre a comunidade e o Estado.

No modelo de co-gestão de recursos pesqueiros, existem diferentes níveis administrativos. No Estado dividem-se os níveis federal e estadual, representados até o momento pelo IBAMA e suas Superintendências Estaduais. O papel do Município, apesar das disposições constitucionais (CF art. 29, XI; 30, I e II), é contraditório. Pode haver competência legislativa suplementar municipal, nos casos de legislar sobre assuntos de seu interesse, entretanto, na própria Constituição Federal (CF, art. 24, VI), o Município não aparece relacionado como entidade competente para legislar concorrentemente sobre pesca. Independente da atuação municipal, deve haver sempre unidade de intenções entre os diversos níveis de ordenamento (Federal, Estadual e Municipal). A atuação Municipal mais importante está no reconhecimento das Organizações Não Governamentais (ONG’s) como participantes no processo de co-gestão de recursos naturais, atribuindo a elas o status de utilidade pública e fornecendo meios financeiros e físicos para a criação e manutenção das mesmas, uma vez que na sociedade civil, através das ONG’s, a ação é desenvolvida por Colônias de Pescadores, associações, cooperativas, entre outras.

A Prefeitura Municipal do Município criou, financiada pelo PED-MMA (Programa de Execução Descentralizada do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal), o Centro de Apoio ao Pescador (CAP), que é uma Escola de Educação Ambiental e Cidadania, com ensino técnico profissional para os pescadores comerciais, tendo como objetivo: i) promover a recuperação de áreas degradadas na região; ii) ampliar e qualificar

 

a oferta de ocupações para a população ribeirinha resgatando a profissão de pescador; iii) promover o uso sustentável dos estoques pesqueiros do rio São Francisco, na região de Três Marias. A área, na qual a escola foi construída, foi doada pela Companhia Mineira de Metais (CMM) e possui 35ha, localizada nas margens do rio São Francisco, próximo à barragem do reservatório. O projeto que deu origem ao CAP é financiado com recursos do MMA, do Banco Mundial, do Município de Três Marias, da UNICEF (Organização das Nações Unidas de Apoio às Crianças) e por outras empresas locais. Entretanto, não existe interface aparente entre a Colônia de Pescadores, a Federação e o CAP.

O mecanismo de gestão participativa que articula a interface Estado/Sociedade Civil Organizada, apesar da iniciativa da Prefeitura de Três Marias, ainda não atingiu o nível desejável e é importante esclarecer que a criação do CAP partiu da Prefeitura, não foi uma demanda social dos pescadores.

 

As práticas de manejo da sociedade, exercidas localmente, através de mecanismos de tomada de decisão em conjunto, caracterizam o manejo comunitário. O Estado e a sociedade civil organizada podem (ou devem) atuar em todos os níveis administrativos. Os antigos Grupos Permanentes de Estudo (GPE’s) são instituições de consulta relativamente bem sucedidas de co-gerenciamento, com área de atuação não apenas local, mas supra-estadual, regional (18).

De acordo com a literatura (19) os objetivos do manejo comunitário podem ser enumerados da seguinte forma: i) subsistência dos núcleos familiares e da comunidade; ii) o comércio. Nestes objetivos é possível perceber uma particularidade: a sazonalidade da atividade comercial e a necessidade contínua de alimentação para a subsistência.

Pode-se dizer que a organização da atividade pesqueira de pequena escala depende do mercado e na região estudada isto não é diferente. A sazonalidade da safra pesqueira orienta o comércio, que nos picos de safra é canalizado a poucos intermediários, enquanto na entressafra o mercado se pulveriza. O manejo comunitário deve contemplar esta sazonalidade, direcionando as vias de escoamento da produção nos períodos desfavoráveis, facilitando o controle, a coleta de dados de desembarque e racionalizando a explotação dos estoques. O controle comunitário sobre o esforço de pesca, parece difícil de ser alcançado nas pescarias comerciais em geral (6). Se um estoque não é sobre-explotado, isto se deve provavelmente, à insuficiente demanda de mercado ao invés do controle comunitário (5).

Processos comunitários de tomada de decisões existem em várias localidades brasileiras. Os resultados imediatos das decisões comunitárias são expressos atualmente, nos "acordos comunitários de pesca", relativamente comuns em açudes do nordeste e nos grandes lagos da Amazônia (14, 17, 9, 15, 2, 16). No entanto, o IBAMA considera ilegal qualquer decisão que imponha limitações de acesso aos estoques (12) e, contraditoriamente, tem imposto limitações de acesso aos estoques através de licenças de pesca da lagosta Panulirus argus e P. laevicauda, camarão Penaeus subtilis e P. brasiliensis e piramutaba Brachyplatystoma vaillantii (18). Há também a criação de Reservas Extrativistas Marinhas e.g. Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé (RESEX Pirajubaé, SC, Brasil), criada pelo Decreto Federal n.º 533, de 20 de maio de 1992, cujo plano de utilização foi aprovado pela Portaria n.º 078-N, de 30 de setembro de 1996 do IBAMA (8). Na Amazônia existe ainda a RESEX do Alto Juruá, AC, criada em Fevereiro de 1990 (4).

 

Os acordos comunitários podem ser transformados em Portarias dos órgãos competentes, aproveitando as disposições legais (12). Pode-se levar em consideração a possibilidade das licenças de pesca (amadoras e profissionais) serem válidas em áreas determinadas e não em todo o território nacional. O art. 33 do Dec. Lei

 

221/672 diz apenas que a pesca (interior) pode ser exercida no território nacional. Tal dispositivo apenas delimita o território máximo dentro do qual a atividade poderia ser praticada, não impedindo que as licenças de pesca concedidas pelo órgão competente, fixem área menor, como um Estado, bacia, ou trecho de uma bacia. Neste caso não se poderia limitar o número de licenças por pescador.

A territorialidade é um pré-requisito para qualquer forma de manejo comunitário e as regras estabelecidas só têm validade numa área dominada pela comunidade, onde esta tem força para fazer valer seus acordos. Estas áreas são normalmente pequenas, determinadas, em muitos casos, por laços de amizade e parentesco (21, 3). As regras de manejo pesqueiro são constituídas da combinação entre a cultura local e a estrutura social. As regras comunitárias regulam como a pesca deve ser feita, determinando os locais, o tempo, estádio de vida das espécies alvo, ou tecnologia (1). Na calha do rio São Francisco a territorialidade é mais evidente nos trechos de rio onde os pescadores acampam e praticam a pesca com redes de deriva. Estes trechos possuem características próprias de largura, profundidade, distância e inexistência de objetos que possam obstruir a descida da rede. No reservatório os padrões de territorialidade estão mais diretamente ligados aos locais de acampamento já que, em muitos casos, os pontos de pesca são determinados pelos intermediários que financiam os pescadores.

 

Em síntese, o manejo comunitário de estoques pesqueiros funciona melhor em sistemas fechados, respeitando-se o contexto social e a cultura das comunidades, levando-se sempre em consideração a demanda de mercado para o pescado, pois as relações externas da comunidade podem incentivar a sobrepesca.

Desta forma, como seria viável juridicamente a implementação da gestão participativa e do manejo comunitário no Brasil?

A legislação federal, para o setor pesqueiro, não seria obstáculo à execução destas idéias; o principal entrave estaria na lei civil e constitucional, quando tratam das formas de propriedade. Os recursos pesqueiros são bens de domínio público, uso comum e livre acesso. Neste caso, seria inviável pensar em privatização dos recursos, ou mesmo, medidas de controle de acesso. Entretanto, nas licenças de pesca da lagosta e do camarão (principalmente) o acesso é, na prática, privatizado. A propriedade comum pode ser considerada como uma terceira forma de propriedade, entre a propriedade privada e a do Estado (13). Nas sociedades indígenas brasileiras esta forma de propriedade ainda existe, mas não vigora no nosso direito positivo expressamente.

A privatização seria inviável juridicamente, pois a Constituição Federal, o Código Civil Brasileiro e o próprio Dec. Lei 221/67, a proibiriam. Resta ao Estado, de imediato, a utilização da Resolução CONAMA 003/88 (10), que regulamenta a criação dos mutirões ambientais. Neste caso, o treinamento de comunitários (agentes colaboradores do IBAMA) por agentes do Estado, se justifica pela necessidade de incentivo à organização comunitária. A participação de pescadores profissionais filiados às colônias de pescadores, associações e cooperativas, incentiva o processo de participação na tomada de decisões.

 

Diante deste contexto, algumas diretrizes setoriais para o desenvolvimento da pesca comercial podem ser enunciadas:

A gestão participativa de recursos pesqueiros pressupõe a descentralização administrativa em pequenos núcleos comunitários, fortalecendo os laços de parentesco e amizade existentes. Neste aspecto, o CAP poderia atuar na capacitação de agentes comunitários para trabalhar nesta atividade.
Formação de cooperativas de pesca (de produção ou consumo) incentivadas pelo governo (através de amparo técnico para que fossem montadas) poderiam ser formadas, desde que respeitem as limitações espaciais e pertençam a pequenos grupos de pescadores que vivam próximos uns dos outros.
A gestão participativa implica em fiscalização participativa do acesso e do uso dos recursos, a ser realizada pelos próprios gestores-usuários. O exemplo do PAPEC poderia ser tentado na região, com apoio logístico e institucional do IBAMA. Este, a nosso ver, ainda tem a competência de fiscalização da atividade pesqueira, herdada da antiga SUDEPE, por força do Dec. Lei 221/67 e as linhas administrativas atuais do Ministério da Agricultura e do Abastecimento em relação ao setor pesqueiro devem ser compatíveis com esta particularidade.
Toda estrutura administrativa participativa pressupõe algum tipo de controle de acesso aos recursos e não simplesmente restrições ao uso, como tem sido prática freqüente no Brasil, apesar das RESEX e de outros exemplos citados.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer aos pescadores de Três Marias, por colaborarem com nosso trabalho; à FAPESP, pela Bolsa de Mestrado concedida ao primeiro Autor (Proc. n° 96/08103-6); ao Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, especialmente à Prof. Dra. Míriam Leal Carvalho, pelo apoio aos serviços de campo; ao

 

 

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, especialmente ao Sr. Carlos F. A. Fischer e à Sra. Maria Beatriz Boschi, por todas as informações prestadas; à Wolf D. Hartmann, pelos comentários ao texto; aos amigos Menderson Mazucatto, Jorge Minte Vera, Norberto, Domingos e Bárbara, pela ajuda durante os trabalhos de coleta.
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ABSTRACT

Community based management of fish stocks in the region of Três Marias, Minas Gerais. The region of Três Marias, in Minas Gerais State, Brazil, presents peculiar characteristics of community-based management of fish stocks due to the existence of riverine environment diversity, related to the São Francisco River and CEMIG (Minas Gerais Electricity Company) reservoir. This environmental situation and government prone tendency in implementing a natural resources co-management system, are the subject of this paper, aiming specifically fish stocks and artisanal fisheries of that region. Data collection was performed through interviews with professional fishermen, community leaders, government agents and fish traders, in 1997 wet and dry seasons.

 

Key words: community-based management, fish stocks, professional inland fishery, co-management, Minas Gerais, São Francisco river.


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