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ESTATÍSTICA, DELINEAMENTO AMOSTRAL E PROJETOS
INTEGRADOS: A FALTA DE COERÊNCIA NO ENSINO E NA
PRÁTICA.
William E. Magnusson
Coordenação de Pesquisas em Ecologia, Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia, CP 478, 69011-970
- Manaus AM, Brasil
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RESUMO
A formação de ecólogos
em delineamento amostral/experimental é deficiente
no Brasil. Isto é especialmente crítico
para projetos integrados. Propostas para financiamento
de projetos integrados devem incluir um fluxograma para
esclarecer as hipóteses, as suposições
e as relações entre estas. Também,
deve mostrar, através de mapas e tabelas de locais
de coleta, onde as variáveis serão medidas
para garantir que todos os integrantes da equipe estão
coletando dados numa escala apropriada para a questão
global, e que o número de repetições
será adequado para as análises estatísticas.
A capacidade de integrar informações de
várias disciplinas deveria diferenciar os ecólogos
dos demais membros de uma equipe, os quais provavelmente
têm um aprofundamento maior nas técnicas
específicas de suas áreas.
Palavras-chave: estatística, delineamento amostral,
projetos integrados, ensino.
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INTRODUÇÃO
Muitos ecólogos diferenciam "ecologia"
de "meio ambiente", mas os dois termos são
sinônimos ou, pelo menos, estão intimamente
ligados para uma grande parte do público em geral.
Muitas pessoas, sabendo que os ecólogos não
têm conhecimento profundo sobre biologia geral,
genética, geologia, climatologia, ciências
sociais ou economia, acreditam que a razão da existência
de ecólogos é para integrar estas diversas
disciplinas.
As expectativas do público e
o treinamento dos ecólogos, no entanto, são
divergentes. Não quero entrar numa discussão
sobre se isto é bom do ponto de vista acadêmico.
Se os cofres públicos estão financiando
os projetos, os ecólogos têm a responsabilidade
de cumprir, pelo menos em parte, as expectativas da sociedade.
O Fórum de Coordenadores de Pós-Graduação
em Ecologia recomenda um currículo básico
para os cursos de pós-graduação em
Ecologia que inclui a disciplina "Estatística",
mas não exige que esta inclua planejamento de pesquisa
e delineamento amostral.
O ENSINO DE ESTATÍSTICA
Deixando de apresentar os conceitos
de amostragem em ambientes estratificados no tempo ou
no espaço, os cursos geralmente evitam totalmente
a discussão sobre modelos nulos e a geração
de distribuições hipotéticas de estatísticas,
usando simulações (ver referência
8 para uma discussão destas técnicas básicas).
Em lugar disto, o professor apresenta aos alunos métodos
matemáticos baseados em álgebra.
Os conceitos matemáticos estão
além da capacidade de compreensão da maioria
dos ecólogos, mesmo que muitos aprendam a memorizar
as fórmulas. O resultado é que a estatística
esconde, em vez de elucidar, a realidade ecológica.
Normalmente, os ecólogos podem aprender melhor
os conceitos básicos de estatística sem
a maior parte da matemática (7).
ESTATÍSTICA EM PROJETOS INTEGRADOS
O resultado deste mau preparo é
visto nos projetos "integrados" ("interdisciplinares",
"multidisciplinares"). As agências financiadoras
exigem que os projetos sejam multidisciplinares e multi-institucionais,
mas os avaliadores destes projetos geralmente não
sabem diferenciar uma aglomeração de pesquisadores
(assembléia, no jargão ecológico)
de um grupo integrado interativo (comunidade, no jargão
ecológico). Aqui, eu quero apresentar algumas noções
básicas sobre delineamento amostral e planejamento
de pesquisa, e suas relações com a estatística
convencional.
Acredito que estas noções
irão servir como um guia inicial para avaliadores
de projetos, e que, espero, estimularão os pesquisadores
a se aprofundar mais nos conceitos. Uso a palavra pesquisador
no lugar de técnico deliberadamente. As duas funções
são essenciais na pesquisa, e um dificilmente existe
sem o outro, mas são diferentes. Basicamente, um
técnico é uma pessoa com uma técnica,
que está procurando um problema para resolver.
Um pesquisador é uma pessoa com um problema, procurando
uma técnica para resolvê-lo. A estatística
pode ser crítica para o técnico, enquanto
o delineamento amostral é crítico para o
pesquisador.
ANÁLISE ESTATÍSTICA EM TRABALHOS
CIENTÍFICOS
O primeiro requisito é a definição
do problema e uma clara exposição dos pressupostos
do modelo a ser investigado. A melhor maneira de se apresentar
este modelo é através de um fluxograma.
Este processo é chamado Análise de "Path"
pelos ecólogos, Modelos Causais pelos psicólogos,
e Análise de Sistemas pelos engenheiros, mas todos
têm o mesmo propósito. Vamos considerar o
fluxograma na figura 1.
Figura 1. Relações hipotéticas entre
tamanho do lago, densidade de peixes carnívoros,
densidade de odonatas grandes e densidade de uma espécie
de girino em 20 lagos a serem amostrados.
O exemplo é hipotético,
mas vários estudos indicam que pode aproximar-se
da realidade para muitas espécies de girinos (1,4).
O fluxograma revela várias premissas. Presume-se
que o tamanho do lago não influi diretamente sobre
as densidades de odonatas ou girinos. Já mostra
que acreditamos Presume-se também que o número
de peixes deve aumentar com o tamanho do lago, e que os
efeitos dos peixes sobre os odonatas, dos peixes sobre
os girinos, e dos odonatas sobre os girinos são
todos negativasnegativos. Quaisquer, ou todas estas hipóteses
podem estar erradas, mas pelo menos o leitor pode ver
as suposições já imbutidasincorporadas
no modelo.
A estimativa da magnitude dos efeitos
indiretos é complicadoa, e provavelmente impossível
quando investigadoa com experimentos manipulativos (9),
mas o fluxograma já serviu para esclarecer o que
a investigação pode revelar. Além
disso, o fluxograma indica quais variaáveis podem
ser incluídas na mesma análise estatística.
A maioria dos estudantes incluiria "tamanho do lago",
"densidade de odonatas" e "densidade de
peixes" no mesmo modelo como variaáveis independentes.
Estas variaávéeis "independentes",
entretanto, não são independentes. Isto
não é um problema de correlação
entre as variaáveis independentes (por ex. 11).
Mesmo que a correlação
não seja suficientemente alta para destabilizar
a análise matematicamente, as variáveis
não são logicamente independentes. Nosso
modelo indica que o tamanho do lago é a variável
que está forçando o sistema. Uma análise
convencional, portanto, tenderá a dar mais importância
às variáveis próximas (peixes e odonatas)
e provavelmente excluirá o tamanho do lago. Também,
a análise não reconheceria o efeito positivo
dos peixes sobre os girinos efetuado através do
efeito negativo deles sobre odonatas.
A análise convencional tem as
"pequenas" suposições que o tamanho
do lago não afeta a densidade de peixes e que a
densidade de peixes não afeta a densidade de odonatas.
Quaisquer suposições estatísticas
são triviais em comparação com estas,
(ver tabela em referência 12 para outros erros básicos).
Este exemplo é relativamente
simples para um problema ecológico. No entanto,
mostra claramente que nenhum resultado experimental ou
análise estatística pode ser interpretado
sem um fluxograma para indicar onde estão inseridos
no problema geral. Isto leva à nossa primeira regra
para a avaliação de uma proposta integrada.
Se a proposta não começar com um fluxograma,
o autor não sabe o que está fazendo ou está
tentando esconder alguma coisa.
A estatística é importante
porque o uso desta mostra que a pessoa é um membro
da cultura científica (7), no entanto, tem outras
utilidades, mesmo que estas sejam raramente usadoas para
tais. Delineamento amostral pode ajudar-nos a ver o mundo
com mais clareza, e a estatística pode ajudar-nos
em a comunicar o que vimos. O problema é que as
várias sub-culturas da ciência tendem a trabalhar
em escalas temporais e espaciais diferentes (6).
Os fitossociólogos trabalham
com "a" parcela de 1 hectare; primatólogos
trabalham com "o" transacto de comprimento variável,
mas que não cabe em 1ha; pedobioólogos trabalham
"na" parcela de 20m por 20m; ornitólogos
usam "o" método de pontos; ictiólogos
estudam "o" corpo de água, e mamalogistas
freqüentemente não sabem qual área
foi efetivamente amostrada por suas armadilhas. As unidades
dos sociólogos são mais difíceis
ainda ade serem definidas.
Estas tradições muito
dificultam o trabalho do coordenador de um projeto integrado.
Cada integrante dirá que está usando "o"
método correto e danem-se os outros se eles não
ajustam a escala de coleta à sua. Ajustar a escala
de coleta à escala da questão não
é uma característica de qualquer uma destas
subdisciplinas.
Com um novo tipo de ensino de "estatística",
talvez podessa ser esta uma característica dos
ecólogos (por ex. referência 3)?. A maioria
dos experimentos ecológicos, mesmo no campo da
ecologia evolutiva, é feita em escalas irrelevantes
para as questões abordadas (10). Isto leva a segunda
regra: se os integrantes do projeto não estão
trabalhando na mesma escala ou a escala não é
apropriada para a questão, muito dinheiro será
desperdiçado.
Se a proposta de estudo integrado não
tiver um mapa com os pontos de coleta de cada membro da
equipe, o avaliador não pode determinar se as observações
estão sendo feitas numa escala apropriada para
a questão, e se as repetições serão
suficientemente independentes em relação
à questão para justificar o uso de estatística
convencional (5).
A última moda é o uso
de programas de Sistemas de Informações
Geográficos (SIG). Os programas de SIG são
muito poderosos porque podem extrapolar entre pontos e
criar "dados" para locais onde o pesquisador
jamais pisou. Somente um mapa detalhado, entretanto, pode
indicar para o avaliador se aquelas extrapolações
forsãoam justificaáveis. A falta de mapas
de distribuição de amostragens também
é uma das maiores deficiências de inventários
florestais para planos do manejo para corte seletivo (Niro
Higuchi; com. pess.).
O autor de uma determinada proposta
deve apresentar uma lista deas localidades a serem amostradas,
com a indicação de quais dados serão
coletados em cada ponto. Se o número de pontos
em que todas as variáveis independentes serão
coletadas não for da ordem de 10 vezes maior que
o número de variáveis independentes, a probabilidade
de um erro tipo II provavelmente será muitoinaceitavelmente
grande.
Em muitas situações envolvendo
a extinção de espécies ou a saúde
humana, erros tipo II podem ser mais importante que os
erros tipo I. Por issto, o autor dae uma proposta deve
apresentar uma análise preliminar ou, pelo menos,
chutada do poder das análises (13). Toda proposta,
como Rregra número três,é que uma
proposta deve mostrar que o delinemanmento é adequado
para diferenciar entre as diversas hipóteses sendo
propostas.
DISCUSSÃO
Existem várias outras considerações
sobre projetos com o propósito de diferenciar entre
alternativas de manejo (por ex. capítulo 1 da referência
2). Estas são questões são sociais/práticaspragramaticas
que devem ser abordadas em outras disciplinas dentro da
grade curricular de um curso de pós-graduação
em ecologia. As 3três "regras" descritas
acima, no entanto, podem ser incluiídas em qualquer
curso de estatística básica.
Espero que estes comentáriostem
despertemado atenção sobre a necessidade
deos ecólogos trabalharaem com fluxogramas, mapas
e matrizes de pontos de coleta vezrsues variáveis
a serem analisadas. Eu perguntoEspero também que,
estes são os aspectos sejam priorizados nas disciplinas
de estatística dos cursos de pós-graduação
em ecologia no Brasil?.
AGRADECIMENTOS
Dr. Miguel Petrere revisou o manuscrito e tornou o texto
mais legível.
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ABSTRACT
Statistics, sampling design and integrated
projects: the lack of coherence in teaching and practice.
The training of ecologists in experimental/sampling design
is deficient in Brazil. This is especially critical for
integrated projects. Proposals for financial support of
integrated projects should include a flow diagram to present
the hypotheses, the assumptions made in relation to these
and the relationships between them. Proposals should also
show, through maps and tables of sampling sites, where
the variables will be measured to guarantee that all members
of the team are collecting data on a scale appropriate
to the global question, and that the number of replicates
will be adequate for statistical analyses. The capacity
to integrate information from a variety of disciplines
should distinguish the ecologists from the rest of the
team who probably have a deeper understanding of techniques
specific to their disciplines.
Key words: statistics, sampling design,
integrated projects, teaching.
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