ARTIGOS

I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

ANÁLISE MULTI-ESCALONADA DA CONECTIVIDADE DA PAISAGEM DA BACIA DE DRENAGEM DO MÉDIO RIO MOGI-GUAÇU, SP.

 

Adriana Paese(1), José Eduardo dos Santos(1), Maria da Graça Brasil Rocha(2).

(1) PPG-ERN-UFSCar; (2)DC-UFSCar.

 

Introdução

Estudos em Ecologia da Paisagem têm sido motivados pelo reconhecimento da importância das escalas espaciais e temporais de observação em ecologia (WIENS, 1989; LEVIN, 1992), bem como pela necessidade de incorporar nas informações geradas nos estudos de ecossistemas, as escalas espaciais em que são tomadas as decisões com relação ao manejo ambiental (RISSER et al., 1983).

Paisagens são áreas espacialmente heterogêneas cuja extensão varia de alguns hectares a muitos quilômetros quadrados (FORMAN & GODRON, 1986; TURNER, 1989). Devido a sua heterogeneidade, as unidades que compõem os padrões espaciais da paisagem, assim como os processos geradores destes padrões, tais como o ambiente abiótico, processos demográficos e as perturbações, variam em função das escalas de observação, influenciando diferentemente populações, comunidades e os processos ecológicos (URBAN et al. 1987). Os estudos ecológicos da paisagem têm a sua aplicabilidade na identificação dos processos geradores de padrões espaciais e temporais. Entretanto, a experimentação e o teste de hipóteses são freqüentemente dificultados pela grandeza das escalas envolvidas nos estudos e, muitas vezes, pela natureza das questões propostas, que requer o uso simultâneo de várias escalas. Neste sentido, as abordagens multi-escalonadas têm sido utilizadas para a seleção de áreas de conservação (NOSS, 1983; FLICK, 1998), e para o estudo da paisagem em geral (URBAN, 1987).

Alguns métodos de análise empregam modelos neutros para a interpretação adequada de padrões espaciais que dificilmente poderiam ser confrontados com os resultados esperados, obtidos empiricamente nos estudos de paisagens. Modelos neutros representando paisagens geradas na ausência dos processos geradores de padrões espaciais e temporais, têm sido utilizados para interpretar índices descritivos (GARDNER et al., 1987), testar os efeitos de perturbações (FRANKLING & FORMAN, 1987) e do movimento de organismos (O’NEILL et al, 1988) nos padrões espaciais observados em paisagens reais.

GARDNER et al. (1987) propôs um modelo neutro para a análise da conectividade da paisagem, adaptado da teoria da percolação (STAUFFER, 1985), demonstrando ser possível o reconhecimento de uma proporção crítica (pc) da cobertura do solo considerada, que estabelece um limite entre uma paisagem conectada por unidades ou componentes que atravessam o mapa em toda a sua extensão e uma paisagem desconexa composta por unidades discretas. Em matrizes quadradas aleatoriamente geradas, este valor é igual a 0,5928. Apesar de paisagens reais poderem apresentar valores menores de "pc", este valor tem implicações sobre os processos ecológicos e no manejo de ecossistemas (GARDNER et al., 1987; PEARSON & GARDNER, 1997).

Este estudo emprega uma análise multi-escalonada para verificar a conectividade de uma paisagem, na perspectiva de verificar as influências do padrão espacial de habitats potenciais na dispersão de espécies nativas da paisagem em questão. A abordagem empregada corresponde a uma modificação da teoria da percolação que utiliza distâncias mínimas como o critério de ligação entre fragmentos de vegetação natural da paisagem, considerando que a maior barreira para a dispersão dos organismos e consequentemente para a conectividade da paisagem são as "lacunas" na distribuição dos habitat, as quais um organismo deve atravessar para alcançar um fragmento vizinho (KEITT, 1997).

 

Materiais e Métodos

Descrição da área de estudo

A paisagem objeto de estudo compreende a bacia hidrográfica do médio rio Mogi-Guaçu, abrangendo parte ou a totalidade dos municípios de Guariba, Rincão, Araraquara, Bonfim Paulista, Porto Pulador, Cravinhos, Descalvado, Pirassununga, Santa Rita do Passa-Quatro e Luiz Antônio, onde está localizada a Estação Ecológica de Jataí. Esta Unidade de Conservação constitui um importante representante dos ecossistemas de cerrado e mata semidecídua do interior do Estado de São Paulo, estando inserida em uma região altamente comprometida por um intenso processo de desmatamento e fragmentação do componente vegetacional natural durante as três últimas décadas (KRONKA, 1998).

Procedimentos experimentais

A área de drenagem da paisagem em questão foi delimitada a partir dos mapas temáticos de hidrografia e altimetria, digitalizados de cartas topográficas em escala 1:50.000 (IBGE, 1971). Adicionalmente, foi definido um mapa no formato raster, com resolução de 30m x 30m, com base na classificação de imagens LandSat-TM 5 datadas de agosto de 1997 e setembro de 1998. As coberturas do solo de mata semidecídua, cerrado, cerradão e mata ciliar identificadas na classificação das imagens, foram selecionadas para a representação dos habitats potenciais das espécies nativas destes ecossistemas. Os demais tipos de cobertura do solo foram excluídos desta representação. Foram selecionados apenas 90 componentes vegetacionais remanescentes na paisagem em estudo, todos com áreas superiores a 1 km2. Os 90 fragmentos selecionados foram agrupados em aglomerados de habitats discretos, com base em uma sequência de distâncias de ligação limite (DL), abrangendo uma extensão de 1 a 20 Km, com intervalos de 500 m. Dois fragmentos foram classificados como pertencentes ao mesmo agrupamento (habitat), quando estavam a uma distância menor ou igual que a distância de ligação (dispersão) limite especificada.

A conectividade da paisagem (C) foi representada como a amplitude de correlação dos aglomerados de habitat, dada por:

onde:

m é o número de aglomerados discretos de habitat;

ns é o número de pixels neste mesmo aglomerado;

R é definido pela expressão: onde:

x e y correspondem a média das coordenadas x e y dos n pixels em um aglomerado.

Neste contexto, R representa a distância média que um organismo, colocado ao acaso no interior deste aglomerado, terá que percorrer antes de encontrar um de seus limites. C coreesponde a conectividade média entre aglomerados ponderada pelo tamanho dos mesmos. Da mesma forma que R, C é a distância média que um animal terá que percorrer antes de encontrar uma barreira. Assim, na medida em que C aumenta, a conectividade da paisagem também deve aumentar (KEITT et al., 1997).

 

Resultados e Discussão

Na Figura 1A,B,C e D estão representadas, respectivamente, as distâncias de ligação limite (DL) de 0, 3,5 , 12 e 15 km e os aglomerados de habitats potenciais resultantes de cada uma destes valores de DL. Como pode ser observado na Figura 1A, para DL = 0, a paisagem da bacia de drenagem do médio rio Mogi-Guaçu mostra-se altamente fragmentada e composta por unidades disconexas de habitat. Nesta situação, os organismos encontram-se restritos ao interior dos fragmentos observados. Na medida em que aumenta a distância limite entre as unidades de habitat (Figura 1B, C e D, DL=3,5 km; DL=12 km e DL=15 km, respectivamente), pode ser observado uma diminuição no número de unidades discretas isoladas, um aumento no número de aglomerados de habitat e um aumento da conectividade (C) da paisagem (Figura 2). A DL de 12,5 km representa o limiar entre uma paisagem desconexa e uma paisagem composta por um único habitat que engloba todos os fragmentos considerados neste estudo (Figura 2). Para uma DL de 13 km observa-se um único aglomerado e a paisagem em questão mostra-se totalmente conectada (Figura 2). Para DLs superiores a 13 km foram observados números cada vez maiores de caminhos alternativos entre um fragmento e outro, semelhante à situação evidenciada na Figura 1D.

O aumento da distância entre áreas de habitat é apenas uma das muitas conseqüências biológicas da fragmentação da paisagem (SAUNDERS et al., 1997). Nesta situação, a sobrevivência das espécies depende da densidade de suas populações e da troca de indivíduos entre as mesmas (taxa de dispersão). Movimentos de dispersão são influenciados pela distância entre as áreas de habitat, pela escala em que os organismos considerados utilizam a paisagem, bem como pela forma com que interagem com as diversos tipos de coberturas do solo que preenchem as "lacunas" entre as áreas de habitat potencial (KALKHOVEN et al, 1993).

Os resultados deste estudo mostram que a conectividade da paisagem (C), representada pela amplitude de correlação entre aglomerados de habitat, é dependente da escala em que os organismos podem perceber os padrões espaciais de distribuição de habitats, e varia não linearmente em função da distância de dispersão entre os mesmos (Figura 2). Espécies cuja distância de dispersão é menor que a distância de ligação entre os aglomerados de habitats, podem estar representadas por populações isoladas. Se estas distâncias forem pequenas, os organismos se encontram isolados no interior dos fragmentos ou em pequenos aglomerados, tendo para eles pouca importância a configuração ou arranjo espacial dos habitats na paisagem. Por outro lado, espécies com distâncias de dispersão maiores que as distâncias limites especificadas, podem caracterizar as metapopulações. Em grandes distâncias de dispersão, o arranjo espacial dos aglomerados de habitats pode exercer grande influência sobre a conectividade da paisagem. Para a paisagem em estudo, esta influência parece ser especialmente acentuada às distâncias limites críticas de 8,5 km e13 km (Figura 2), quando uma única ligação estabelece a conexão entre grandes aglomerados de habitat.

 

Figura 1: Distâncias de ligação entre áreas de habitat potencial na paisagem da bacia de drenagem do médio rio Mogi-Guaçu.

 

Figura 2: Distâncias de ligação (DL) entre áreas de habitat potencial x amplitude de correlação (C) entre os mesmos.

As inferências quanto a melhor forma de viabilizar a sobrevivência de espécies nesta paisagem, deve considerar a dinâmica das populações locais nos fragmentos, as sua áreas e formas, bem como as influências externas sobre os mesmos. Entretanto, também deve ser considerado os processos que operam em escalas mais amplas de espaço e de tempo, como a dispersão dos organismos que pode ser altamente influenciada pela configuração dos fragmentos de habitat na paisagem. Desta forma, medidas de manejo que tenham como objetivo viabilizar a sobrevivência de espécies, não devem subestimar a importância de qualquer um dos fragmento de vegetação, mesmo que estes representem baixa qualidade de habitat, sem que seja verificada a contribuição dos mesmos para a conectividade da paisagem como um todo.

 

Referências Bibliográficas

FLICK, P. A multiple scale approach to reserve site selection. Master’s Project. Nicholas School of the Environment, Duke University. 1998. 161p.

FORMAN, R.T.T. & GODRON, M.. Landscape ecology. Wiley, New York, New York, USA. 1986.

KRONKA, F.J.N. Áreas de domínio do cerrado no Estado de São Paulo. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 1998. 84p.

LEVIN, S.A.. The problem of pattern and scale in ecology. Ecology, 73(6), 1992, pp.1943-1967.

KALKHOVEN, J.T.R.. Survival of populations and the scale of fragmented agricultural landscape. In: Bunce, R.G.H., L. Ryszkowski, M.G. Paoletti.(eds) Landscape Ecology and Agroecosystems. Lewis Publishers. 1993. 241p.

KEITT, T.H.; URBAN, D.L., MILNE, B.T. Detecting critical scales in fragmented landscapes. Conservation Ecol. 1997 1(1) : 4. http://www.consecol.org/Journal/vol1/iss1/art4.

NOSS, R.F.. A regional landscape approach to maintain diversity. Bioscience. 1983, 33(11), pp 700-706.

RISSER, P.G.; JAMES R.K. & FORMAN R.T.T.. Landscape Ecology: directions and approaches. Illinois Natural History Survey Special Publication Number 2. The Illinois Natural History Survey. 1984. 17 p.

SAUNDERS, D.A.; HOBBS, R.J. & MARGULES, C.A. Biological consequences of ecosystem fragmentatio: a review. Cons. Biol. 5:18-32. 1991.

URBAN, D.L.; O’NEILL, R.V., SHUGART, H.H.. Landscape Ecology: a hierarchical perspective can help scientists understand spatial patterns. Bioscience, 1987, 37(2), pp. 119-127.

TURNER, G.M.. Landscape Ecology: the effect of pattern on process. Annu. Rev. Ecol. Syst. 1989. 20:171-197.

WIENS, J.A. Spatial scale in ecology. Functional Ecology 1989, 3, 385-395.