ARTIGOS

I Fórum de Debates

ECOLOGIA DA PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

 

CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DA REGIÃO ALTO URUGUAI - MARCELINO RAMOS (RS)

 

Sônia Elisete RAMPAZZO(*); José Eduardo dos SANTOS(**); José Salatiel Rodrigues PIRES(**); Carlos HENKE-OLIVEIRA(**); Cristiane Paola RIGO(*) & Luiz Eduardo MOSCHINI(**)

(*) Laboratório de Planejamento Ambiental da URI - Campus de Erechim-RS

(**) PPG-ERN/UFSCar. Via Washington Luiz, km 235. 13565-905. São Carlos-SP

 

INTRODUÇÃO

A conservação, preservação e recuperação de ecossistemas, e não apenas de espécies isoladas da flora e da fauna, têm sido impulsionadas pelo movimento ambientalista internacional desde o início da década de 1980. A criação de Unidades de Conservação (UCs) constitui uma das principais estratégias para conservação da natureza, especialmente nos países do Terceiro Mundo, na perspectiva de preservar espaços com atributos ecológicos importantes (DIEGUES, 1996). As Unidades de Conservação proporcionam "bens e serviços" à região onde estão inseridas, ao garantir a continuidade dos processos ecológicos e interações, ao proteger a diversidade cultural, os recursos hídricos, o solo, a beleza cênica, os sítios históricos e paleontológicos. Entretanto, estes benefícios são de difícil mensuração quantitativa e podem ser melhor compreendidos através da elaboração de um plano de manejo adequado para cada área. Para tornar eficiente o processo de conservação da biodiversidade, além de uma rede bem distribuída de UCs, estas precisam ser planejadas e manejadas de forma a participar do processo de desenvolvimento local e regional (PROGRAMA DE AÇÕES AMBIENTAIS).

A exemplo de muitos Estados brasileiros, o Rio Grande do Sul possui uma alta diversidade em tipos de ecossistemas, formações geológicas e paisagísticas. Todos com muitas variações locais de solo, clima, fauna, cobertura vegetal e microorganismos, interligados e complementares, reconhecidamente importantes na sustentação da vida. Porém, diante da magnitude que as atividades antrópicas vêm ocorrendo nos últimos 100 anos, a sobrevivência desta diversidade encontra-se ameaçada, necessitando de medidas especiais de proteção. As áreas naturais protegidas representam cerca de 2,09% da superfície do Estado gaúcho (147.820 hectares), não assegurando a conservação da riqueza ambiental ainda existente (PROGRAMA DE AÇÕES AMBIENTAIS). Mesmo porque, 80% da área total protegida do Rio Grande do Sul requer regularização fundiária; cerca de 90% das UCs não possuem planos de manejo; nem dispõem de infra-estrutura e pessoal qualificado para atingir os objetivos do manejo, estando em geral, isoladas dos programas globais para a gestão da natureza (BRESSAN, 1996).

A Floresta Subtropical Latifoliada do norte do Estado gaúcho, associada aos vales do rio Uruguai e seus afluentes, tem sido submetida a um processo de intensa exploração madeireira, desde o processo de colonização européia (ainda na metade do século passado), dirigido para a ocupação de áreas florestadas no Estado, resultando na fragmentação desta cobertura vegetal natural. Atualmente, sua distribuição está restrita às proximidades dos rios e arroios e, ainda assim, sujeita a retirada seletiva de madeiras de interesse econômico, bem como das ações provenientes de núcleos habitacionais, isolados em maior ou menor grau em função das dificuldades de acesso (RAMPAZZO, 1998).

A implantação da Usina Hidrelétrica Itá - UHE Itá, que entrou em funcionamento em dezembro de 1999, determinou uma série de impactos no ambiente natural e na organização físico-territorial e sócio-econômica, comprometendo ainda mais a biodiversidade associada a este componente vegetacional no contexto regional. Com a finalidade de proteger amostras representativas dos componentes de vegetação natural remanescentes, bem como em atender o disposto nas Resoluções do CONAMA1 nº 010, de 03/12/1987 e nº 02, de 18/04/1996, foram identificadas no EIA/RIMA elaborado para a referida usina, algumas áreas consideradas potenciais para esta finalidade. Atualmente, está em processo de implantação uma Unidade de Conservação no município de Marcelino Ramos, RS, que será a primeira área de proteção da biodiversidade na Região Alto Uruguai, representando um das mais notáveis fragmentos dos poucos remanescentes da Floresta Subtropical Latifoliada.

Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo a caracterização ambiental preliminar de alguns componentes estruturais da paisagem, hipsometria e clinografia, com base em informações ecológicas georeferenciadas, na perspectiva de formular diretrizes para o disciplinamento do uso e ocupação do solo,bem como para o processo de gestão ambiental dessa Unidade de Conservação.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Descrição da área de estudo

A área de estudo está situada entre as coordenadas 27º28'9" de latitude Sul e 51º54'5" de longitude Oeste, ao norte do Estado do Rio Grande do Sul, no município de Marcelino Ramos, próxima a foz do Lajeado Teixeira Soares, na margem esquerda do rio Uruguai, cobrindo uma área de 460,32 hectares. A Oeste está limitada pelo Lajeado Teixeira Soares; ao Norte pelos limites secos das propriedades E-779 e E-782; a Leste e ao Sul por limites secos fora da área de influência direta do reservatório da UHE-Itá. O acesso a área pode ser efetuado partir do município de Marcelino Ramos, pela estrada RS-491 que liga esse município a Concórdia-SC em direção ao Estreito Augusto Cezar, numa distância de aproximadamente 6 km; ou então, a partir de Erechim pela RS-331.

 

Figura 1 – Localização da Unidade de Conservação, Município de Marcelino Ramos-RS.

Procedimentos metodológicos

As cartas utilizadas na elaboração dos mapas temáticos de hipsometria e clinografia da Unidade de Conservação do município de Marcelino Ramos foram obtidas junto a Mapoteca do Exército de Porto Alegre-RS, organizadas pela Diretoria de Serviço Geográfico, em escalas 1:50.000, eqüidistâncias das curvas de nível de 20 em 20 metros, para o ano de 1978. Foram digitalizadas parte das folhas SG. 22-Y-D-II-3 dos municípios de Marcelino Ramos e SG. 22-Y-D-V-1 de Maximiliano de Almeida. Através de quatro ortofotocartas (L 11 e 12 e M 11 e 12), em escala 1:10.000, de 1988, obtidas junto a ELETROSUL, Florianópolis, SC, foram estabelecidos os limites da Unidade de Conservação. Para a aquisição dos dados e manipulação das informações no formato vetorial foi utilizada a mesa digitalizadora A1, Summagraphics Summagrid IV, e o software: TOSCA versão 2.0. Após a digitalização, modo contínuo com captura ponto a ponto, foi realizada a verificação e editoração das informações vetoriais.O software SIG-IDRISI v. 2.0 for Windows e v.32; foi utilizado para realizar a rasterização das imagens (EASTMAN, 1998) e para a obtenção dos mapas hipsométrico e clinográfico, com pixel de 20 x 20 m. Os softwares ALDUS PHOTOSTYLER v. 2.0; EXCEL v. 7.0 e CORELDRAW v. 9.0 foram utilizados para a edição final das imagens.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A área de estudo totalizou 460,320 ha. A Figura 2 apresenta a carta hipsométrica e o perfil topográfico da Unidade de Conservação, contemplando doze cotas hipsométricas, agrupadas de 20 em 20 metros. A variação hipsométrica observada foi de 240 metros, sendo a cota mais baixa situada a 360 metros e a mais alta a 600 metros em relação ao nível do mar. Embora as áreas com altitudes entre 560 a 600m representam apenas 8,51% da área física total, as mesmas merecem cuidado especial quanto ao uso e ocupação do solo, por serem muito suscetíveis à erosão. Os valores das áreas (ha) para cada classe hipsométrica estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 - Área (ha) das cotas hipsométricas para a área da unidade de conservação e seus respectivos percentuais

Cotas Hipsométricas(m)

Área (ha)

%

360-380

380-400

400-420

420-440

440-460

460-480

480-500

500-520

520-540

540-560

560-580

580-600

7.578

58.229

47.180

41.298

42.696

35.066

45.481

41.036

53.983

48.604

29.603

9.566

1,65

12,65

10,25

8,97

9,27

7,62

9,88

8,91

11,73

10,56

6,43

2,08

TOTAL

460.32

100.00%

Figura 2. Carta hipsométrica e perfil topográfico da Unidade de Conservação de Marcelino Ramos-RS.

A carta clinográfica (Figura 03) da Unidade de Conservação revela um relevo suave ondulado em 9,92% da área total da mesma; moderadamente ondulado em 12,56%; ondulado em 28,26%; forte ondulado (declividades superiores a 25%) em 31,67%; montanhoso (declividades entre 45 e 100%) em 17,09%, e escarpado em 0,5% da área. A Tabela 2 apresenta a área da unidade de conservação dividida em sete cotas clinográficas, no intervalo de zero a acima de 100% de declividade. Praticamente, 50% da

Tabela 2 - Área (ha) das cotas clinográficas para a área da Unidade de Conservação e seus respectivos percentuais

Cotas Clinográficas (m)

Área (ha)

%

0 a 8%

8 a 15%

15 a 25%

25 a 45%

45 a 60%

60 a 100%

acima de 100%

45,67

57,82

130,12

145,78

46,80

31,87

2,26

9,92

12,56

28,26

31,67

10,17

6,92

0,5

TOTAL

460.32

100,00%

área de estudo demonstra declividade superior a 25%. Esta informação tem valor significativo e preocupante desde que, extra oficialmente, essa Unidade de Conservação será enquadrada como Parque Municipal, categoria esta que não é restritiva ao acesso da população.

As UCs precisam ser manejadas de forma que as populações de seu entorno e da região, sejam sensibilizadas para a importância da manutenção e continuidade destas áreas na paisagem, na perspectiva do envolvimento das mesmas nos esforços para a conservação da biodiversidade. Esta parece a melhor alternativa para que medidas de proteção ambiental, no âmbito e fora dos limites das UCs, sejam assumidas, garantindo a perpetuidade da conservação das amostras de ecossistemas ecologicamente significativos e da biodiversidade associada, proporcionando as bases para um desenvolvimento realmente sustentável.

A continuidade das atividades relacionadas à caracterização ambiental georeferenciada de outros componentes estruturais da paisagem em estudo, contribuirá na elaboração do plano de manejo ambiental, direcionado para a proteção da biodiversidade local, bem como das amostras dos ecossistemas com maior ou menor grau de alteração, buscando a participação efetiva das diferentes instituições da sociedade civil.

 

Figura 3. Carta clinográfica da Unidade de Conservação de Marcelino Ramos, RS.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRESSAN, D. Gestão Racional da Natureza. São Paulo: HUCITEC, 1996.

CONSÓRCIO NACIONAL DE ENGENHEIROS CONSULTORES – CNEC. CENTRAIS ELÉTRICAS DO SUL DO BRASIL – ELETROSUL. Relatório de Impacto Ambiental – versão sintética. s/l, março, 1990.

DIEGUES, A. C. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo: HUCITEC, 1996.

EASTMAN, J.R. Idrisi for Windows: exercíciios tutoriais. Porto Alegre-RS: UFRGS, Centro de Recursos Idrisi, 1998.

GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Programa de Ações Ambientais: Construindo a Agenda 21/RS. Porto Alegre, s/d.

RAMPAZZO, S.E. Avaliação de Projeto de Reflorestamento em Pequenas Propriedades Rurais: O Caso do Alto Uruguai - RS. Santa Cruz do Sul, RS. 1998 (Dissertação de Mestrado).

 

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1 Determina, como reparação por danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas, por obras de grande porte, a implantação de Unidades de Conservação de domínio público e uso indireto.